Eu me apaixonei por Adalgisa desde o primeiro dia em que a vi, quando tinha apenas onze anos de idade. Eu, Higino Fragozo, até então era apenas um inseguro órfão traumatizado, criado pela bonachona avó costureira. Ela, Adalgisa, a filha caçula de um sargento da PM, era a menina mais bonita da rua.
Levei pelo menos uns quatro anos para me declarar a ela, e sentir o meu amor sendo retribuído foi como ser aceito no Paraíso. Jamais esquecerei o sorriso dela naquela noite chuvosa de junho.
Por mais que ela evitasse em me falar, eu sabia que seu maior sonho era ter filhos, e infelizmente sou completamente estéril. A cada alarme falso de gravidez, eu podia sentir a sua decepção e desespero, mas nunca ouvia uma reclamação sequer. Nossa paixão era maior que qualquer adversidade. A esterilidade não era a única coisa que me fazia diferente dos outros, e pouco a pouco, Adalgisa foi percebendo o quanto eu era especial.
A minha amada esposa não era a única que sabia de minhas “diferenças”, pois eu constantemente era visitado por outros que se diziam ser meus irmãos, sempre me contando uma série de coisas estranhas sobre a minha verdadeira natureza. Temendo que cada vez mais pessoas percebessem quem era, passei a mudar constantemente de residência.
E nosso casamento prosseguiu. A vida era difícil, meu emprego de feirante não me permitia grandes rendimentos, mas nada seria capaz de abalar o nosso amor. Recusei todo e qualquer convite que me afastasse de Adalgisa. Alguns destes “irmãos” continuaram a me procurar, mas, felizmente, cada vez com menos freqüência.
Nossa felicidade sempre esteve acima de tudo e todos.“Até que a morte os separe” — ainda me lembro do dia do nosso casamento, há sessenta e quatro anos atrás. Ela era um pouco mais velha que eu, mas no bairro onde resido atualmente, todos pensam que eu sou filho dela. Apesar de já ter passado dos oitenta, aparento ser um rapaz de vinte e poucos anos. Esta é outra das minhas peculiaridades.
Não consigo parar de pensar em você, minha doce Adalgisa...
Aqui estou eu, desamparado, em seu funeral. Seu corpo inerte e sem vida já está enterrado sob vários palmos de terra. As nuvens cinzentas cobrem o céu, e uma chuva miúda castiga-me sem piedade. Estou sozinho perante seu túmulo, pois os poucos que vieram presenciar o enterro já se foram todos. Algumas flores murchas estavam depositadas junto à lápide. Sinto agora a chegada de mais duas pessoas, sinto que já as conheço de longa data...
— Pó ao pó. Assim são os humanos, Fragozo — disse o rapaz alto, de longos cabelos castanhos.
— É hora de aceitar o seu destino, venha conosco. Saiba que jamais desistimos de você — completou a moça de pele negra e uma colorida camiseta verde e roxa.
Fiquei calado. Ajoelhei-me e peguei as flores com cuidado. Em minhas mãos, as flores começaram a recuperar seu antigo frescor e beleza. A maciez das pétalas lembrou-me por um momento a pele de minha amada.
— O mundo dos mortais é efêmero, irmão Guardião. Aceite nosso convite, nós suplicamos.
Fingi ignorar o pedido, e permaneci mudo. Pensei novamente em meu juramento: “Até que a morte os separe”.
Ele estava errado, totalmente errado.
Nem a morte me separaria dela. Tenho certeza absoluta que um dia nos reencontraremos...
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