segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Rebelião 44: Rogerio Greco, o Gato


— Gostaria de ressaltar o sigilo desse assunto — disse o Senador Miranda, pela terceira vez. — Por isso fiz questão do encontro pessoal.

O homem de cabelos claros e bem aparados do outro lado da mesa sequer mexeu um músculo; de trás de seus óculos escuros, incompatíveis com o interior de um Gabinete em Brasília, retrucou:

— Segredo é o cerne de minha profissão. Não costumo, inclusive, ter contato direto com meus clientes. Não é como trabalho.

Com certeza, pensou o político. Tinha procurado o “gato” durante meses, sem sucesso. As histórias sobre ele, no entanto, o precedem: era conhecido por nunca ter deixado de cumprir um contrato, sempre mantendo a identidade incólume. Nem mesmo o sexo era conhecido, somente a alcunha. Quando o Senador desistiu de procurar, ele o encontrou.

— Eu entendo e peço desculpas. Estou muito agradecido e...

— Não é preciso, se você realmente pode pagar o que disse. Importa-se de passar o alvo?

— Um homem direto — comentou o Político, sorrindo. — Um dos meus.

Ele passou para Rogério um envelope em formato americano, pardo. O homem não levou mais que alguns segundos para folhear o conteúdo. Seu rosto pareceu ficar mais rígido ainda, como se esculpido em pedra.

— Vai custar o dobro.

Miranda abriu os braços. Seu sorriso aumentou na mesma proporção.

— O dobro? Mas...

— Pelo alvo, poderia ser o triplo — ultimou Rogério. Dentro do envelope, estava a foto de um conhecido e poderoso General. Além de atual Ministro do Exército, o homem liderava um movimento de reestruturação das Forças Armadas. A frase mais ouvida em reuniões a portas fechadas era “tomada de poder”, e os analistas políticos já admitiam a possibilidade de uma nova ditadura no País.

— Certo — concordou Miranda, suando. — Vou conseguir o dinheiro. Sabe — o tom de voz ficou bem diverso do anterior, talvez demonstrando certo nervosismo —, sempre fui um aficionado por codinomes e seus significados. O termo “gato”... por quê?

O assassino, já em pé, guardou o envelope no casaco de couro. Fitou por um instante o político.

— Vou executar o serviço — disse.

Miranda acenou com a cabeça, devagar. Rogério foi até a porta e colocou a mão esquerda na maçaneta. Voltou-se de repente.

— Acho que deixei minha caneta em sua mesa.

— Aonde? — o Senador abaixou o queixo e olhou para a mesa, mais escutou um estouro abafado e foi lançado para trás, tombando de lado no tapete persa. Seu ombro direito ardia como se houvesse carvão em brasa sob a pele.

O Assassino andou até o político, uma pistola negra nas mãos. Viu o homem tatear por dentro do paletó, puxando algo prateado. Acionou novamente o gatilho – dessa vez atingindo o antebraço. A arma que Miranda tentou empunhar bateu no chão, e Rogério a chutou para longe.

Agora o Senador rastejava pelo tapete, a manga direita do terno claro totalmente empapada do líquido viscoso que minava dos ferimentos.

— Abreu... Abreu... — tentou gritar, a voz disforme devido a dor que o dilacerava.

Sua meta era a única porta do aposento, a uns cinco metros de seu braço esticado. O Assassino o chutou duas vezes, fazendo-o rolar até lá. Ele se esforçou para chegar à maçaneta, chegando a tocá-la com a ponta dos dedos da mão esquerda.

Novo disparo contido, e a ávida mão deixou de existir numa explosão de vermelho. O político caiu para trás em agonia, observando atônico a ponta do osso à mostra no toco que lhe sobrara.

— Por favor... Por favor...

Como se o homem houvesse proferido a palavra mágica, Rogério abriu a porta. Em cima do tapete da entrada estava um objeto redondo, macabro: a cabeça de um homem bochechudo e careca, os olhos ainda arregalados de espanto. Pertencia a Abreu, o segurança particular do Senador. Ou, pelo menos, era.

Rogério Greco puxou uma cadeira e sentou em frente a Miranda, que começava a mostrar os sintomas da perda contínua de sangue. Sua pele estava tão branca quanto uma folha de papel, e seus olhos reviravam para cima. Um sinal que as alucinações não tardariam a chegar. O assassino retirou o paletó e simplesmente observava. Arregaçou a manga da blusa, deixando à mostra uma tatuagem na parte interna de seu antebraço: “pronto emprego”. Acendeu um cigarro.

— Nem sempre fui um assassino profissional, Senador. Mas homens como você me tiraram o pouco que eu tinha. Tudo pela liberdade de expressão, dizem vocês. Talvez. Na minha época, no entanto, não havia rebelião programada em presídio. Não havia traficante mandando fechar o comércio ou fazendo Blitz feito polícia — ele meneou a cabeça. — Talvez vocês estejam certos. O direito de dizer que o presidente é um beberrão deve valer todos esses transtornos.

Ele encostou a pistola entre os olhos do Político, que chorava baixinho.

— Não se preocupe. O general já está cuidando de tudo. Pena que você não vai estar aqui para ver.

O relógio de Rogério apitou duas vezes, atraindo-lhe a atenção. Ele levantou os ombros para o homem em agonia.

— O trabalho chama — ele retirou a folga do gatilho. — Ah, e para matar sua curiosidade, o gato é um felino que gosta de brincar com suas presas. Daí o apelido.

Houve outro som seco na sala, que ninguém de fora ouviu, graças ao silenciador.

ROGÉRIO GRECO, O GATO foi escrito por Andre Esteves

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