Alessandro foi lançado ao chão mais uma vez. Rodopiara no ar antes de estalar com as costas no campo, levantando um grande tufo de grama. Bingo parou ao seu lado e estendeu-lhe a mão, o sorriso sarcástico colado no rosto. Era um homem de mais de dois metros, tão forte quanto um lutador de vale-tudo. Sua pele negra esticava-se em torno de seus músculos ora lustrosos pela quase uma hora e meia de futebol.
O rapaz caído estapeou o braço de ébano esticado, o que fez o juiz ir até eles. A multidão urrava enlouquecida, abafando as palavras do árbitro. Não iam adiantar nada mesmo. Bingo, zagueiro do time adversário com a função de marcá-lo, havia-o espancado durante todo o jogo sem que o juiz tomasse qualquer ação efetiva.
Alessandro levantou e correu para próximo a área, sem se importar com o acréscimo de edemas nas suas já castigadas coxas. Olhou para o placar: zero a zero, 46 minutos do segundo tempo. O árbitro havia dado dois de prorrogação. Final do campeonato e o empate era do adversário. Precisava de um gol, de um maldito gol, mais com aquela muralha alcunhada de Bingo colada nele estava sendo uma missão impossível.
A falta foi cobrada: lançamento na ponta, no que poderia ser o último lance do jogo. Lá estava Alessandro atrás da redonda, vendo, com o canto do olho, o expresso negro avançando também; mas em direção a ele, e não a bola.
O que aconteceu a seguir foi rápido demais para ser compreendido pela ensandecida torcida ou até mesmo pelo árbitro. Na linha da intermediária, o zagueiro investiu com tudo contra Alessandro, que apenas colocou a palma da mão estendida no peito do homem. O pequeno clarão que nasceu do contato podia ser confundido com os milhares de flashes sendo acionados, e só o que todos viram foi Bingo cair ajoelhado no gramado, os músculos poderosos tombados e derrotados.
Livre do marcador, o atacante avançou com a bola dominada e driblou o goleiro. Gol de placa. Mesmo em meio ao tremor que tomou conta do estádio, a visão do cronômetro o deixou sem fala: 46 minutos e 58 segundos.
Os próximos instantes foram de pura alegria, sendo Alessandro levado até a sonhada taça, e Bingo carregado pelos colegas para fora do campo. Após toda a festa com a torcida, já no vestiário tomando banho, o rapaz ainda sentia a eletricidade percorrer o corpo. Divertindo-se com a água batendo em sua pele, antecipava mentalmente a noitada que se abria a sua frente. Ele prezava muitas coisas em sua vida, mais as três primeiras eram inalteráveis: mulheres, mulheres e mulheres, não necessariamente nessa ordem.
Estava louco para ver a cara de babaca de Vladimir. Ia tirar muita onda com o otário. É dar muita bandeira jogar num time profissional. Ah! Queria ver o que o cagão diria agora, sendo ele o artilheiro do campeonato, com a foto espalhada em todos os jornais. Quando saiu do demorado banho, percebeu que estava sozinho; todos já deviam estar atendendo a ávida imprensa.
O astro principal sempre se atrasa, pensou Alessandro. Foi então que se virou, deixando a toalha cair e segurando o pescoço com as mãos, como se sentisse a garganta fechar de repente. Seus olhos esbugalhados estavam virados para uma mensagem escrita em vermelho no azulejo do vestiário.
— Não tenho como evitar — gritou ele para o vazio. — É da minha natureza. Seja quem for, podemos conversar, por favor, por favor....
Os brados ecoavam nas paredes solitárias, alcançando os ouvidos de uma figura caminhando um pouco curvada pelos corredores subterrâneos do estádio. Os gritos provocaram um meio sorriso. Seus dedos estavam sujos de tinta vermelha.
O texto no azulejo foi apagado por Alessandro, que caíra no frio chão do banheiro, mas a frase que tivera ali escrita ficara indelevelmente marcada em sua mente, principalmente a última palavra:
“Eu sei o que você fez, Acólito”.
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