segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Rebelião 41: Luxúria


Há duas semanas elas se encontraram, quase que por acaso, na saída de um dos bares da Lapa. A Bastarda vagava pela noite, cuidando de sua própria vida, errando pelas vielas sujas, escondendo-se entre bêbados e prostitutas. Ela, levando mais uma vítima para sua toca — uma súcubo, filha do pecado, bela como jamais qualquer mulher poderia ser. Vendo a moça de cabelos vermelhos, ela avaliou que teria mais do humor que a sustentaria que o patético ancião que insistiu em pagar pela sua arte. Uma opção de mercado, muito simples.

Sob lençóis de seda, a pele macia das amantes desliza suavemente, uma sobre a outra, num vivo contraste entre a alva fada do fogo, com seus cabelos fartos, vermelhos como cobre queimado, e a pele morena da lilim, seus cabelos negros e lisos. Elas beijam-se com vagar, seus macios lábios femininos se devorando com avidez. Seus corpos, perfeitos, sensuais, entrelaçam-se, confundem-se. Quanto mais a súcubo bebe, mais se excita com essa mulher incansável, também sedenta de prazer, com uma intensidade que jamais um mortal teve. Coxas, seios e línguas, o cheiro suave e almiscarado de seus sexos inflamando seu prazer. A filha de Lilith já está satisfeita, mas alguma coisa está errada, essa mulher, ela não deveria estar viva, não deveria continuar, sedenta e brilhante como uma salamandra. Capturando o olhar de perplexidade de sua parceira, a fada ígnea sorri, e a beija com redobrado prazer, gemendo baixo como uma gata no cio. Suas unhas cravam-se na pele aveludada e cor de oliva da lilim, e o Clamor envolve seus corpos, afugentando as sombras da noite.

Assim ela tem vivido, nestas duas semanas. Ela procura a fada branca, em todos os lugares, quase com urgência, e quando a encontra, se amam com intensidade, as vezes por dois dias inteiros. Mas Bárbara (esse é o nome que lhe deu, quase com piedade) está cada vez mais difícil de se encontrar. Já não está nos becos escuros, já não bebe entre os travestis e viciados. Até os elementais ela já interrogou, ouvindo o ciciar suave de suas risadas no vento. E, ironia das ironias, o desespero torna mais bela a já deslumbrante súcubo. A necessidade desse desejo a inflama como um filho deixado em seu ventre pela Bastarda, e quando a vontade já é insuportável, ela entrega-se a quantos amantes conseguir encontrar, pobres paliativos, mortos muito antes que ela consiga se satisfazer, só servindo para tornar mais dolorosa a ausência de sua fada. A dor desse desejo a arrebata, a inutiliza — agora ela só serviria de piada para seus irmãos, devoradores vorazes do prazer, puras encarnações da Luxúria. Mas nenhum deles jamais experimentou Bárbara, nenhum deles jamais sentiu suas carícias calcinantes nem a ouviu sorrir durante seu prazer, um repique cristalino como de cristais, seus dentes alvos e perolados. Cada lembrança arranca da demônio um suspiro sôfrego e doloroso, o vazio a consumindo por dentro.

Qualquer que fosse seu objetivo ao ser trazida para a Terra, já foi totalmente esquecido — seus conjuradores foram mortos por ela mesma, para evitar que fosse mandada de volta, agora que era um traste inútil. Dava, dessa forma, mais satisfação a nefilim do que quando deitavam-se juntas. Bárbara tinha imenso prazer em vê-la vagar sem rumo pela noite, devorando alguns de seus inimigos ocasionais enquanto seguia seu rastro. Nenhum dos malditos patronos das seitas de místicos poderia apelar para a prerrogativa da ofensa pessoal para ajustar contas com ela, pois cada um deles apenas foi vítima de sua própria lascívia. E era sempre um prazer ver a súcubo em ação...

Quando todos os seus inimigos estivessem mortos, ela mesma daria conta de sua amante rejeitada. A mandaria para o Orco gemendo e implorando por mais amor, mas, enquanto isso não acontecia, Bárbara sentia-se plenamente satisfeita em seu voyeurismo...

LUXÚRIA foi escrito por Renato Simões
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