segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Maytréia 32: Castelos de Areia


Quando eu era jovem,

Parecia que a vida era tão maravilhosa,

Um milagre,oh

ela era tão bonita,mágica.
E todos os pássaros nas árvores,
Eles cantavam tão felizes,
Alegres,brincalhões,me olhando.
Mas aí eles me mandaram embora,
Para me ensinar a ser sensato,
Lógico,responsável,prático.
E mostraram um mundo
Onde eu poderia ser dependente,
Doente,intelectual,cínico.
Logical Song, Supertramp

Quando eu era pequeno, a primeira coisa que eu fazia quando ia à praia, era construir um castelo de areia. Dia após dia, lá estava eu. O mar vinha e destruía tudo, mas sempre estava eu de novo, recomeçando o mesmo processo, dia após dia.

Dia após dia.

Meus pais me perguntavam o por quê de tanta insistência.

"Porque é divertido", era a minha resposta.

E não eu estava mentindo, realmente a diversão me bastava.

O tempo passou.

Eu cresci e fique adulto.

Tornei-me engenheiro, e aprendi a projetar castelos de concreto e aço. Sólidos e permanentes. Minha principal obra foi construir um indestrutível quebra-mar.

Paralelamente a isso, desenvolvi minhas capacidades mais espirituais, tornando-me um Iniciado.

Um Tecnólogo.

Minha mestra Padmarajni ficou muito curiosa quando lhe falei de minha fixação infantil por castelos de areia. Eu era um novato ainda, minha fascinante jornada na compreensão das leis que regem o Universo ainda estava ainda apenas começando. Ela levou-me até a beira do oceano.

— Diga-me, o que o Mar pode nos ensinar sobre a nossa luta contra a Maya? — perguntou-me ela, piscando os longos cílios negros.

Fiquei em silêncio, evitando dar uma resposta precipitada.

Olhei para o quebra-mar que eu ajudar a construir, bem ao longe. Olhei para as majestosas ondas que quebravam-se com violência na costa, e na água que lavava as areias com uma perenidade inquebrável.

Pensei em minha trajetória como Iniciado, e nos percalços que nós sempre enfrentávamos. Pensei em nosso mundo cativo nas tramas tirânicas dos seguidores da Maya.

Raciocinei.

Meditei muito.

E compreendi. A resposta surgiu clara em minha mente. Respirei fundo, mal contendo o ar de satisfação.

— As ondas do oceano são como a Maya. Nossa missão é construir barreiras que contenham a fúria dos vagalhões, protegendo aqueles que como nós precisam viver na praia, e não sobreviveriam submersos pela água.

— Repita o que disse, por favor — Padmarajni limitou-se a dizer isso.

— Nós agimos como um dique que trabalha como contra um oceano revolto. Ou melhor, nossa missão é dia após dia construir nossos castelos de areia. Mesmo que eles sejam permanentemente destruídos, cabe a nós jamais desistir de nossa árdua batalha. Mesmo que as ondas destruam tudo o que construímos, devemos estar prontos para recomeçar tudo novamente.

Senti-me feliz com esta súbita metáfora que me ocorreu, isto era coerente com o interesse de Padmarajni

Porém, minha mestra aparentava estar triste.

— Sinto que ainda há muito a ensiná-lo. Desculpe a minha decepção, não fui uma boa professora, sem dúvida.

Senti-me arrasado e deprimido.

— Por favor, mestra, então qual a verdadeira analogia? Qual é a resposta correta? Diga-me!

Ela afastou-se caminhando pela areia molhada, e limitou-se a uma frase:

— Só você poderá achar a resposta certa. Com o futuro as trevas conhecerão a luz. Só você pode chegar a uma resposta. Não espere que os outros respondam por você.

E o tempo continuou seu fluxo que não pode ser detido.

Eu envelheci.

Hoje fui ao enterro de minha adorada mestra Padmarajni. Um enterro simples, concluído com uma cremação. Lá estavam todos os meus mais chegados colegas Tecnólogos.

Decidi andar até a praia, e fique parado no mesmo lugar onde décadas atrás, a aventurada Padmarajni entristeceu-se comigo.

O mar esta revolto, a ressaca era violentíssima. Uma chuva fina porém gélida caía na areia cinzenta. Ignorei o desconforto do frio e das gotas e fiquei impassível observando aquela majestosa força da Natureza. E pensei em todas as lutas pelas quais passei junto com Padmarajni.

Minha adorada mestra.

Enquanto caminhava, sem querer, pisei nos restos de um castelo de areia já quase dissolvido.

Pensei mais uma vez na minha querida professora.

Olhei para o mar turbulento.

Olhei para o quebra-mar.

Olhei para o mar, mais uma vez.

Então a resposta apareceu em minha mente. Com décadas e décadas de atraso, senti a luz atingir-me com a força de um holofote.

Nós não somos projetores de barreiras para conter a força do Oceano. Não somos construtores de castelos de areia destinados a serem sempre destruídos.

É exatamente o contrário.

A Maya é este quebra-mar. Uma barreira tão poderosa, que seus escravos conseguiram secar o oceano da Vida, transformando-o em milhões de pequenas poças e gotas esparsas. Nossa missão é juntar tudo de novo, e fazer com que um novo Oceano renascido e revigorado venha a pulverizar toda Ilusão que aprisiona o Mundo.

Então a Maya ruirá

Como se fosse um castelo de areia.

Padmarajni, sua luta não foi em vão.

CASTELOS DE AREIA foi escrito por Simoes Lopes

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