Os mosquitos eram enormes e infernizavam a tropa com sua sede inesgotável de sangue fresco. O calor tropical ensopava as roupas, provocando uma espécie de sensação intermitente de náusea. Mesmo assim, nada disso parecia incomodar o jovem soldado americano Jude W. Black no presente momento. Rastejando na lama fétida do charco, ele tentava impedir que os inimigos vietcongues o vissem. Seus companheiros Derick, Carrera e Morty já estavam todos mortos, não muito longe dali. A armadilha que os “amarelos” colocaram na beira do rio tivera um impacto fulminante sobre seu pelotão. A maioria dos soldados era jovem e despreparada, e seu grande objetivo era apenas voltar mais cedo para casa.
Ao contrário de seus parceiros, Jude simplesmente adorava a guerra, era como tivesse nascido para isso. Só pensava em matar, matar, matar. Um leve barulho de gravetos esmagados fez com que cerrasse os olhos, aguçando sua percepção visual. Dois vietnamitas apareceram no meio das folhagens. Foram dois disparos certeiros, transformando dois soldados inimigos em inimigos mortos.
À sua frente, junto a uma enorme jaqueira, apareceu o sargento Silverstone. Tinha um grande estilhaço cravado no peito, mas estava sorrindo. Arrastou-se com sofreguidão para fora do pântano, como se estivesse perseguindo alguém. Antes que Jude pudesse gritar, um vietcongue saiu da mata a uma velocidade tão inacreditavelmente grande que o sujeito parecia até estar voando. O sargento não pôde esboçar a mínima reação, e em instantes, estava caído no chão, com a garganta cortada.
O vietnamita chamava-se Nguyen Dat e era uma verdadeira máquina de matar. Assim, como Jude, adorava viver no campo de batalha, e já aos 14 anos de idade alistara-se voluntariamente no exército comunista. Já perdera a conta dos americanos que matara, e o recruta atolado na lama parecia ser sua mais nova vítima.
O jovem americano preparou-se para o combate inevitável. Disparou uma rajada, dando a volta no oponente, que se esquivou de todos os disparos de forma quase sobrenatural. A munição de Jude esgotou-se rapidamente, e após livrar-se da arma inútil, deu um enorme salto para esconder-se atrás de uma árvore com grandes raízes.
Assim que sentiu-se em segurança, o americano tentou procurar por seu oponente, mas aquele parecia ter simplesmente sumido. Foi quando um horrível calafrio percorreu sua espinha, e percebeu uma enorme faca cravada em sua panturrilha. Abaixou-se para arrancá-la, mas o oriental foi mais rápido, acertando-lhe um tiro que trespassou seu ombro.
O recruta americano caiu desfalecido. Nguyen Dat aproximou-se com desdém, e deu um violento chute em suas costelas. O sangue deixava grandes manchas no chão. O soldado vietnamita olhou ao redor, à busca de mais inimigos para matar. Suas narinas estavam dilatadas, como se tentasse farejar algo.
Foi quando sentiu o tornozelo preso. O americano parecia recusar-se a morrer e o agarrou pelas pernas, desferindo um violento soco que arremessou o asiático a vários metros de distância.
O sangue coagulava cada vez mais rápido, e as feridas de Black cicatrizavam-se a olhos vistos. Seu semblante era da mais pura e insana raiva.
Os olhos azuis do soldado ianque brilhavam como dois vaga-lumes na escuridão da floresta. Uma névoa luminosa começou a envolver seu corpo, e em suas mãos materializou-se uma enorme espada metálica, ornada com um padrão intrincado de espigões e pontas recurvas. Como numa sucessão de flashes, o ataque do americano foi fulminante, partindo dois troncos com a fúria de seus primeiros golpes.
O vietnamita desaparecera novamente, como se tivesse evaporado. Jude Black segurava sua arma reluzente, e andava num círculo aberto, atento. Seus olhos reluzentes vasculhavam as sombras.
Nguyen Dat reapareceu atrás dele. Estava em pé, e limpava o sangue que escorria da testa. Os dentes grandes e branquíssimos mostravam um largo sorriso.
— A vida inteira esperei encontrar um oponente à minha altura — disse ele com a voz baixa. Mesmo sem falar uma palavra de vietnamita, Jude compreendeu totalmente o sentido da frase, e não se surpreendeu nem um pouco com isso. Seu coração palpitava com mais força.
O asiático também empunhava uma pesada espada metálica, com uma grande lâmina recurva.
Os dois se olharam com um misto intraduzível de ódio e respeito.
O verdadeiro combate estava apenas começando. Lâminas de metal chocavam-se com violência, e a cada impacto faíscas azuladas tremeluziam na atmosfera úmida do matagal. A velocidade de ambos era sobre-humana, e a cada golpe correspondia um contragolpe igualmente impressionante. Músculos contraíam-se com vigor inumano e os sentidos aguçavam-se cada vez mais, sem que a dança da batalha fosse interrompida um segundo sequer.
Enquanto combatiam, os dois percebiam fragmentos do mundo à sua volta. Morte. Cheiro de sangue misturado ao fedor do pântano. Corpos mutilados. Exércitos dizimados.
À medida que a luta prosseguia, eles começavam a sentir um distanciamento cada vez maior de seus antigos parceiros mortos. Bandeiras e táticas de guerra não significavam mais nada.
Eles sentiam-se lutando no topo de uma montanha, rodeados de luz e metal, enquanto que lá embaixo, no sopé da montanha, o mundo dos homens pareica apenas uma imensa vala comum, onde a pilha de cadáveres apodrecidos não parava de crescer.
Nguyen Dat e Jude Black continuaram a peleja atroz por um bom tempo. Quanto mais a luta prosseguia, mais eles gargalhavam. A felicidade estava estampada em seus rostos cansados, e seus corpos ganhavam a cada momento novas e severas cicatrizes em constante regeneração.
Os dois pararam ao mesmo tempo — coincidência? Um abraço forte selou a amizade.
Os verdadeiros inimigos estavam todos sepultados num pântano pútrido, nas profundezas da floresta tropical. Acima deste inferno de carne podre e sangue coagulado, existe um paraíso de metal reluzente, para onde os deuses da Guerra trazem seus filhos.
O recruta Black e o vietcongue Nguyen chegaram ao campo de batalha como inimigos.
E agora saíam, como irmãos.
Retorne ao Universo Germinante
Nenhum comentário:
Postar um comentário