segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Rebelião 35: A Última Elegia


O primeiro de todos foi Cyrillus, nosso saudoso amigo Visionário, com certeza aquele que sempre vimos como o líder da Congregação. Assistimos horrorizados à sua morte, despedaçado por cães demoníacos. O corpo mutilado desfalecendo lentamente, para em seguida dissolver-se numa névoa luminosa. Foi em sua memória que entoamos em silêncio nosso primeiro Réquiem. Lá estavam Lysandra, a Guerrilheira, Vladimir Paloff, o Bastardo, o Acólito Corneteiro, e Florence Ismail, a Primal, e por último, é claro, eu, Buck Phelps. Os humanos vieram do pó e a ele retornam. Nem a isso temos direito.

Depois foi a vez de Florence morrer. Capturada por feiticeiros, ficou presa durante meses numa gruta, onde foi torturada e serviu de cobaia para rituais malignos. Nenhum de nós estava presente no momento de sua morte, mas conseguimos capturar um de seus algozes, e dele extraímos a verdade dos fatos. Nos reunimos à beira da praia, o lugar preferido da bela Florence. Ainda me lembro de seus longos cabelos encaracolados, negros como carvão, e seus miúdos olhos castanhos.

A congregação ficou então reduzida a apenas eu, Paloff, Corneteiro e Lysandra. Paloff morreu numa noite fria de inverno, quando a Lua Cheia brilhava alto no céu. Dois Sheilim foram enviados para nos caçar, e a muito custo conseguimos enfrentá-los. Lysandra teve seu corpo seriamente mutilado, e eu perdi uma das mãos. Paloff usou de toda a sua coragem e ousadia para conter os dois lacaios do Inferno com sua força impressionante. Ele acabou salvando-nos, mas não foi capaz de evitar a própria sua morte. Ainda tentamos desesperadamente, eu e Corneteiro, conjurar forças para curar nosso amigo, mantendo-o vivo. Mas estávamos fracos, e não fomos capazes. Não fomos capazes. E senti falta de Cyrillus, se ele estivesse ainda entre nós, teríamos salvo Paloff, com certeza. Com certeza.

A partir daí a Congregação não teve mais dias felizes. Eu senti a suprema amargura ao assistir Lysandra ser tragada pela Queda infernal. Seu corpo pulsava em forma animalesca, seus pensamentos forma desaparecendo, eu vi a insanidade tomar conta de seu ser. Corneteiro tentou trazê-la de volta, não quis vê-la transformar-se num Diavolo bestial. A Guerrilheira foi implacável em seus golpes, e nosso irmão Corneteiro, o mais jovem dentre nós, foi tragado pelas mandíbulas da morte implacável.

Ah, Corneteiro... Ele sempre disse que acreditava a Morte não era o fim definitivo para um Nefilim. Sempre tentava nos convencer que devíamos ir para algum lugar após a morte. “Existe lugar para todos. Por que não para nós?” Ah, Corneteiro, será que você estava certo?

Minha morte é a menos honrosa de todos. Tentando uma manobra difícil errei e caí de uma altura de duzentos metros. Rochas pontiagudas atravessam minhas entranhas. Sinto que minha energia se esvai inexoravelmente. Talvez ainda haja um fio de esperança: com muita concentração quem sabe eu pudesse regenerar as piores feridas, e mesclar-me às velozes águas da corredeira? Não. A luta contra os bruxos exigiu demais de meus poderes.

Agora que sou o último de minha Congregação, não haverá ninguém para entoar cânticos em minha memória. Restou a mim a triste sina de entoar meu próprio réquiem, abafado pelo rugido furioso da queda d’água. Estou cansado. Cansado de lutar. Cansado de viver. É hora de desaparecer. Para sempre.

A ÚLTIMA ELEGIA foi escrito por Simoes Lopes

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