quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Maytréia 1: Tempo Passado, Tempo Futuro


Eu sei porque você está aqui. Eu sei que você quer descobrir o Entropista maldito que matou nossa noiva. Sei que você quer se vingar dele. E mais: sei como a vingança será. Era será violenta e lenta. Dolorosa e terrível. Então, aqui estamos nós. Eu, uma criatura que você não consegue definir bem, falando de coisas que ninguém deveria saber e você se preparando para me atacar. Devo avisar que seu ataque falhará fragorosamente, pois eu sei qual será ele e como – e sei exatamente o que fazer para evita-lo.

***

Você não pode dizer que eu não o avisei. E também não consegue imaginar como verificar que você atacou exatamente como eu sabia que faria e falhou exatamente como eu sabia que falharia me dói. De qualquer forma, enquanto tenta se recuperar, eu vou tentar por um pouco de juízo na sua cabeça.

O ódio lhe consome. Isso é ruim. Seria melhor se você me xingasse bastante. Talvez até tentasse me atacar de novo. Mas sei que tudo o que fará será me olhar com este ódio brilhando em suas órbitas. Divindade, como isso é triste!
Pense. Entrar aqui no plano mental, viajar no tempo para impedir que o homem que matou sua noiva a mate e tentar mata-lo antes disso não funcionará. Você sabe disso, no intimo. Tudo o que fará será criar uma realidade alternativa. Das milhões e milhões que existem.

Não estou dizendo que você fracassará em seu intento. Você conseguirá. Ou talvez não. Engraçado. Este detalhe eu não me lembro. Mas sei que algo de muito ruim aconteceu. Não se assuste de me ver falando no passado. Para mim, isto é passado, entende? Não. Creio que não. Ou você me ouviria e não faria o que fiz.

Estou confundindo você? Desculpe-me, é que as coisas são realmente confusas. Mas me ouça, algo muito ruim aconteceu. Eu não sei se foi o efeito do Eco, ou se entrei no Sono da Alma. Mas, se entrei no Sono da Alma, eu não deveria ser capaz de voltar no tempo e falar comigo mesmo, entende? Ou seria?

Talvez tenha sido o kharma, talvez tenhamos acumulado kharma negativo demais e nossa encarnação se perdeu em ficar procurando o ponto de retorno ao momento certo. Lembra? Quantas vezes um homem estranho falava conosco, nos ensinando a controlar a raiva, que o ódio poderia nos destruir. Lembra como, quando criança, as pessoas riam de nosso “amigo imaginário”?

Oh, pela Divindade, é claro que você não se lembra. Mas vai se lembrar. Sabe o motivo? Porque esse homem é você mesmo! Ou melhor, somos nós, já que eu e você somos o mesmo ser e venho de seu futuro/passado – que é o meu passado/futuro – para lhe alertar. Eu sou você ontem... ou amanhã? Chega a ser engraçado se eu não estivesse tão confuso, entende? Viajar para o passado e o futuro, sem saber qual é o presente é tão cansativo... tão cansativo. Eu esqueci como se sai do plano mental e preciso sair no momento certo. Se isso for o Sono da Alma, eu gostaria que acabasse.

E minha esperança de acabar está em convencer você a desistir, exatamente o que tentei antes quando eu estava aí onde você está e você estava no meu lugar... ou tinha outro no meu lugar? Seja como for, eu fiz acordo com uma entidade e consegui a chance de estar em duas parcelas de tempo diferentes no mesmo lugar. Engraçado, eu já fiz isso antes... mas eu estava aí. Será que perdi o momento de retorno? Por que não me lembro do aviso?

Ah, sim! Eu usei um shiddi para deixar o outro falando sozinho, quando vi que combate-lo não funcionava. (...) Vejo que fiz de novo... que pena! Pena eu não ter me reconhecido. Creio que a loucura de viajar no tempo e as coisas que vi – ah, Divindade, as coisas que vi! – devem ter me transformado mentalmente o que me torna literalmente irreconhecível para mim mesmo no passado... ou no futuro.

Vejo que falo sozinho novamente. (Acho que estou enlouquecendo. Talvez seja melhor assim). Virou um hábito estranho. Aqui estou eu, falando com uma miragem de mim mesmo no passado que parte para uma jornada que já conheço... acho!

Talvez eu deva voltar e tentar falar comigo mesmo no passado novamente. Em qual passado? Tanto faz. Eu só me lembro de quem sou quando me vejo no passado ou quando o futuro me encontra.

Gostaria de, pelo menos, lembrar do nome de minha noiva.

TEMPO PASSADO, TEMPO FUTURO foi escrito por Danilo Faria

Rebelião 1: Mestres e Aprendizes



O jovem aprendiz andava muito nervoso nas últimas semanas. Tantas descobertas o deixavam confuso. Ao ver seu velho mestre passeando pelo jardim, venceu com relutância a timidez habitual e aproximou-se do Mestre. Como se adivinhasse, o mestre lhe falou com largo sorriso nos lábios.
—Você parece transtornado, Isaiah.
— São muitas dúvidas, mestre... quantas coisas mais eu terei que decorar na primeira semana ?
— Você está aqui para saber e não decorar...
— Bem... quer dizer... é sobre a distinção de Asiah e Briah ? E o conceito...
O mestre o interrompe, gargalhando.
— Ora, jovem ! Vamos com calma ! Eu vou lhe explicar ... preste muita atenção...
O sábio ancião de barbas brancas respirou profundamente e começou a explicar
— Olhe o mundo à sua volta. Esse é o Universo. Mas o que podemos ver e sentir é apenas uma pequena parcela do que existe. O Universo verdadeiro, ou total, nós chamamos de Atsiluth. O que você vê é o chamado de Plano Físico ou Mundo Material. Ou continuum espaço-temporal, como os cientistas chamariam. Mas nós cabalistas preferimos chamá-lo de Asiah. Você o sente porque o seu corpo faz parte do Asiah.
— Meu corpo ?
— Sim, nós o chamamos de Nefesh. Mas isso não é apenas o corpo físico, pois o Nefesh também inclui o corpo astral. Mas do mesmo modo que os seres humanos não são apenas o corpo, o Universo não é apenas o Plano Físico. Além do Asiah, em outro plano de vibração existe o Yetsirah...
— Isto eu já entendi: o Yetsirah é o Plano Anímico, que é sede dos Elementais.
— Muito bem, jovem. Mas o Yetsirah também é o Plano a que pertence a Alma, que nós cabalistas chamamos de Ruach.
— Ruach... e Briah ?
— Bem, além desses Planos existe um mais elevado, Briah. Poderíamos chamá-lo de Plano Angélico ou Espiritual. O Espírito ou Neshamah situa-se nesse plano. Eu sei, você deve estar pensando por que tantos nomes complicados. Isso é a Cabala, Boaz !
— E além de Briah, mestre ?
— Calma, Boaz, vamos com muita calma. Em Briah existem três regiões bem distintas. Uma, Shamaim, são os Céus, o Lar dos Anjos do Senhor. Outra, Sheol, o Inferno, a sombria morada dos Anjos Caídos.

— Os Caídos ?
— Sim, jovem, os Caídos. Mas deixe-me terminar. Há uma terceira região, o Dedangim, onde as Grandes Feras estão cativas. Além deles existe o Aravoth, que os cristãos chamam Empyreus, ou Décimo Céu. É lá que está o Deus Altíssimo, assistido pelo Príncipe Arcanjo Mitatrom. Mesmos os outros Príncipes Arcanjos só podem ir a Aravoth raramente. Como você pode ver, Boaz, A Criação é realmente muito mais do que podemos perceber. Satisfeito ?
— Sim, mestre, quer dizer ... quase !
O incrível interesse do jovem não parava de empolgar o professor. Realmente era um aluno muito promissor.
— Quase ? O que mais deseja saber ? Pode perguntar ?
— Quem são os Nefilim ?
O mestre subitamente emudeceu. Seu semblante mudou drasticamente. Uma visível irritação e nervosismo tomaram conta do ancião.
— Por que essa pergunta ?
Tentando disfarçar o sobressalto, o mestre solta uma resposta curta e seca.
— Os Nefilim eram filhos dos Anjos Caídos de que já falei. Isso foi antes do Dilúvio. Mas eles não existem mais ! Não existem .

— Desculpe. Estou enchendo a sua paciência. Me desculpe.

— Não se preocupe, Boaz, eu não estou irritado. Apenas acho que você não deve se preocupar com assuntos sem importância. Cuide apenas do essencial...

E o professor se afastou, sumindo entre as árvores do jardim.

Boaz começou o caminho de volta a seu quarto, caminhando lentamente, arrastando os pés por entre os jardins. Então, por trás dos arbustos de flores vermelhas, uma voz o chamou.

— Você deseja saber sobre os Nefilim, garoto ?
— É...quem é você? De onde você surgiu ? O professor já me disse o que eu queria.
— Ah, seu mestre ... Você realmente acha que o velho sabe tudo ?
— Quem é você?
— E se eu lhe dissesse que os Nefilim ainda existem ?
— Você acha que eu acreditaria em você ?
O desconhecido deixou escapar um largo sorriso de ironia. Fechou os olhos.
- Acho.
E o desconhecido abriu seus olhos, que se tornaram como dois archotes flamejantes.
— Preste atenção na minha estória...
Depois deste dia o jovem Boaz nunca mais foi visto. Seus antigos mestres jamais entenderão o porquê de sua desistência.







MESTRES E APRENDIZES foi escrito por Simões Lopes.