segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Maytréia 38: Amazonas

Guillermo de Fontes e Fernando de la Manzana estavam há mais de um mês descendo o grande Rio das Amazonas. Foi aqui que Orellana dissera ter visto belas mulheres nuas de longos cabelos loiros a banhar-se, e assim considerando-as como as Amazonas das lendas gregas, batizou o grande rio em sua homenagem. O tempo passou e as narrativas do grande conquistador caíram em descrédito. “Eram apenas silvícolas da região com seus longos cabelos”, diziam os estudiosos, mas mesmo assim o caudaloso rio-mar conservou seu nome de batismo.

O que poucos sabiam é que havia um fundo de verdade nos relatos dos viajantes espanhóis, e que por trás de toda lenda, sempre há um fundo de verdade.

Era nisso que pensava Guillermo quando convenceu seus colegas a saírem de Sevilha e viajaram até os confins das florestas tropicais. O vasto território ainda desconhecido de boa parte dos europeus, guardava muitos segredos, e Guillhermo, Economus de uma loja na antiga cidade castelhana de Toledo, decidiu pessoalmente organizar uma expedição. No decorrer do trajeto, muito de seus companheiros morreram, e agora, só restavam ele e seu amigo Fernando, subindo o rio com grande dificuldade, num barco já bem danificado.

Dois enormes jacarés esperavam imóveis junto à margem esquerda do rio. Fernando comentou rapidamente que tinha a impressão que quanto mais se aproximavam do ponto indicado no velho mapa, os répteis aparentavam estar cada vez maiores.

Quando chegaram mais perto, os dois enormes animais mergulharam rapidamente, desaparecendo sob as águas turvas.

A canoa foi abalroada com violência, e dois enormes rombos abriram-se no casco. Antes que afundassem, Fernando conseguiu conjurar um shiddi polar invertendo a gravidade, o que fez com que o barco literalmente decolasse, trazendo em seu rastro os dois assustados crocodilianos. Guillermo rapidamente apercebeu-se da manobra do colega, e alterou seu Campo de Movimento, tomando a mão de Fernando e saltando com grande impulso na direção da margem.

Outros jacarés apareceram, bem maiores que a dupla que se debatia no ar, e a grande velocidade do homem permitiu que desviassem com facilidade.

Um grito muito agudo anunciou a chegada de dois enormes gaviões, coroados com grandes penachos. Fernando pensou rapidamente, e projetou uma onda telecinética, impedindo as aves de cravarem suas garras neles. Amaldiçoando o fato de ainda não ser um especialista no domínio deste shiddi, enfiou-se numa gruta de teto abaixo que apareceu bem próxima do rio. Guillermo criou uma esfera flamejante para afastar outros animais.

— Estamos próximos de uma passagem para o Plano Astral, o que explica os seus guardiães animais. É aqui que as Amazonas devem estar.

Guillermo conseguira a partir de antigos estudos deixados por um velho Liturgo napolitano, ampliar seus conhecimentos sobre as supostamente lendárias Amazonas das florestas americanas. Sabia ele que elas eram na verdade guardiães de um grande portal para o Plano Astral existente no meio da floresta. As forças anímicas que atuam em regiões assim necessitam de um equilíbrio energético só alcançado nos confins da natureza, longe de qualquer influência humana. Foi difícil convencer o restante da Loja a bancar a expedição, mas a partir do momento ele próprio tornara-se o Economus, não foi muito difícil conduzir os preparativos. Três de seus amigos já haviam morrido durante o trajeto, mas finalmente ele conseguira chegar aos vestíbulos do Portal de Muyrahuba.

Os gritos, urros e silvos denunciavam uma grande quantidade de animais amontoavam-se ao redor dos dois Iniciados. O fogo etérico mantinha a todos afastados, mas de repente, Guillermo sentiu que a chama começou a tremeluzir, mudando de cor de um vermelho forte para um violeta-rosado cada vez mais pálido.

A escuridão envolveu-os.

Um brilho esverdeado iluminou a caverna, com tanta intensidade, que os olhos de Fernando e Guillermo doeram.

Guillermo tentou entreabrir os olhos, mas a dor era insuportável. Suas pupilas pareciam queimar. Decidiu usar seus outros sentidos, concentrando-se em sua percepção extra-sensorial.

Um voz macia e sensual interrompeu suas meditações:

— Podem abrir os olhos, homens...

Os dois abriram os olhos, um pouco hesitantes.

Um grupo de várias mulheres morenas e altas ocupava a caverna. No alto, cristais verdes em forma de animais brilhavam como se fossem pequenos sóis. As Amazonas — Guillhermo sabia que eram elas — tinhas os longuíssimos cabelos louros por alguma espécie de tintura — dizia-se que antigas guerreiras das lendas gregas tingiam seus cabelos nas águas do Rio Xanto — estavam seminuas e usavam adornos feitos com o mesmo tipo de pedra verde, assim com longas lanças vermelhas.

— Guardiães do Portal Sagrado — disse Guillermo demonstrando uma profunda reverência —, estamos aqui para pedir sua permissão a fim de atravessar as Portas. Nossas mentes estão abertas, e não somos escravos da falsa realidade.

— Sabemos que seus nomes são Fernando de la Manzana e Guillermo de Fontes. O que aconteceu com aqueles que os acompanhavam antes — perguntou a Amazona que parecia mais próxima deles.

— Estão mortos — respondeu Fernando.

— Onde estão Emerenciano Galvés, Marcelino Matos e Cristóbal Gomide?

— Mortos, respeitável Guardiã — completou Guillermo, reafirmando o que o colega dissera antes.

— Mortos... por quem? — insistiu a Amazona.

— Pelos nossos inimigos... aqueles que querem manter o Mundo imerso na falsa realidade — explicou Guillhermo, ajoelhando-se.

— Meu nome é Lyssa, homem pequeno — apresentou-se a Amazona.

Guillermo abriu um sorriso, sentindo que o contato estava sendo bem conduzido. — É uma honra ser apresentado a uma Guardiã das Portas.

— Sim. Uma honra. Pois todo homem que conhece o nome de uma Amazona, é porque será morto por ela.

— Mas...n...não... — o terror estampou-se no rosto do navegante.

Antes que Fernando e Guillermo reagissem, duas lanças de madeira escarlate cravaram-se em seus ombros, fixando-os na parede bolorenta da caverna. Enormes insetos desceram pelas paredes, e começaram a cobrir seus corpos.

— Nós sabemos que vocês mesmos traíram e mataram seus companheiros.

Guillermo sentiu outra lança ser crava em seu outro ombro. Tentou conjurar os shiddis e manipular a Maya a seu favor.

— Seus poderes não vão funcionar aqui, junto ao Portal de Muyrahuba.

Mais uma lança foi cravada, agora no peito de Guillermo. Ele estava imobilizado, mas pelos gritos de Fernando, deduzia que o mesmo acontecia com seu amigo.

— Urrr...ahhhh....nós...vamos...

— Vocês não foram os primeiros a tentar invadir as terras sagradas de Muyrahuba, seus machos tolos. Muitos outros vieram aqui, e todos acabaram da mesma forma.

Guillermo sentiu seu sangue brotando das feridas e confluindo para as lanças, que pareciam estar bebendo-o.

— O teu sangue rubro servirá de alimento para nossas armas, e ajudará a manter nossa força abastecida. Agora que arranjamos um propósito para seu sangue, é hora de ocupar-nos com a carne e ossos...

As Amazonas caminharam para os lados, como se estivessem abrindo espaço.

Um assovio ecoou pela caverna.

Guillermo arregalou os olhos. Fernando chorou como uma criança.

Duas enormes serpentes albinas saíram das profundezas do túnel, com a luz esverdeada dos cristais a refletir-se em suas enormes escamas. Os olhos vermelhos refletiram a imagem dos dois homens cativos.

— Um Corrompido não pode ocultar suas intenções das Guardiãs de Muyrahuba. Nós juramos proteger este lugar, e assim faremos.

As cobras gigantes dilataram suas enormes goelas. Presa grandes como cutelos cravaram-se brilharam à luz fosforescente.

O espanhol sentiu uma dor lancinante quando os dentes cravaram-se em suas entranhas. Esqueceu um pouco dor, enquanto esperava pela morte imediata. Os gritos de Fernando eram horripilantes.

— Haverá bastante tempo para meditação. Não pensem que merecerão um fim rápido.

Guillermo já não conseguia conter a dor.

— A morte dos profanadores é sempre bem lenta. Um Centriarca que ousou nos atacar há 135 anos atrás ainda está sendo digerido no estômago desta cobra. Seu corpo está reduzido a uma pasta disforme, mas sua consciência ainda está mantida.

Guillermo começou a ouvir grito e lamentos vindo de dentro do enorme ofídio. Choros. Gritos. Lamúrias que se misturavam agora à dor sua e de Fernando.

Uma dor que ainda iria persistir por muito e muito tempo.

O Portal de Muyrahuba está muito bem protegido.

Por trás de toda lenda há um fundo de verdade...

AMAZONAS foi escrito por Simoes Lopes

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