domingo, 2 de dezembro de 2007

Maytréia 3: Conquistando Isaura


Isaura era a atração local. A jovem dançava em meio ao salão de festa, embalada pelo ritmo que se deslocava das caixas de som até o ambiente. Chamava a atenção dos homens pela sua beleza e alegria. Dançava sozinha, mais preocupada em curtir as músicas que em ser o centro das atenções.


Mas ela era o centro das atenções. O vestido leve se desenhava no bailado do vento, enquanto as pessoas em volta observavam com um misto de inveja e admiração. As conversas a sua volta eram interrompidas constantemente para uma espiadinha ocasional.


Isso não passou despercebido de Rafael. Ele observava a bela mulher com o mesmo ímpeto que os outros. A festa ocorria em um salão de condomínio, pois era aniversário de um amigo em comum aos dois. Rafael nunca havia dado muita atenção para Isaura, mesmo sabendo que ela era bem bonita. Só que ao ver ela dançando tão empolgada e solta, seu desejo aumentou. É claro que ele tinha uma vantagem em relação a todos os cobiçosos olhares em torno. E ele pensou em usar essa vantagem imediatamente.


Iniciado recentemente, Rafael ainda precisava aprender muito sobre os shiddis que estava estudando. Mas ele já sabia o suficiente para, como um bom estudante de medicina, conhecer exatamente quais hormônios produzir para gerar a reação desejada. Rafael acreditava que era perfeitamente possível se divertir um pouquinho com o que aprendeu até agora, ao contrário do que o seu Tutor mal humorado afirmava. Ele se perguntava de que adianta ter poder se não se pode usá-lo. Todo aquele papo de que o poder não pertencia ao Iniciado e que deveria ser usado para o bem coletivo apenas o deixava mais intrigado.


Ele esperou o momento certo. Infelizmente, ainda precisava tocar no seu alvo para atingir seus objetivos e não ficaria bem se aproximar e tentar tocar Isaura enquanto ela dançava. O momento surgiu quando a jovem resolveu fazer uma pausa para tomar um refrigerante.

Ela se afastou para o lugar onde se serviam as bebidas e Rafael tentou ir também da maneira mais discreta possível. Calculou o tempo de forma a chegar no instante em que ela pegava a bebida. Aproximou-se com um sorriso e disse:
- Tem uma cerveja aí?
- Tem sim! – Ela sorriu de volta e se virou para pegar a lata de cerveja.
- Valeu! – Rafael aproveitou o momento em que pegava a cerveja e resvalou na mão de Isaura, acionando o shiddi.


A reação da jovem foi imediata. Por um momento – um breve segundo – seus olhos se anuviaram. Rafael sabia o que era isso; o cérebro dela estava se adaptando a nova situação a que fora imposto. No instante seguinte o sorriso dela aumentou e seus olhos brilharam. Ele aproveitou e foi à carga:
- Sabe Isaura, você dançando ali estava realmente tentadora... tipo assim, você tava demais...
- Você achou...?
- Se achei...
- Você sabe dançar?
- Igual a um pedaço de mau caminho como você? Não. Mas não ficaria nem um pouquinho triste com um showzinho particular...


Ela sorri com um ar sacana:
- É mesmo?
Então, se aproxima suavemente do ouvido de Rafael para sussurrar:
- Nem nos seus sonhos, bobão...


Rafael é pego de surpresa. Ele não esperava por isso. O que havia acontecido? Ele tinha a certeza de que o shiddi funcionara perfeitamente...
“E funcionou” – disse a voz de Isaura na sua mente – “... estou morrendo de vontade de fazer sexo com você, seu covardezinho desgraçado!”
Ele ficou meio confuso por um instante e então... percebeu... ela estava falando dentro da sua mente! E continuou.
“Mas seu truquezinho sujo não vai funcionar comigo. Quer dizer que o rapazinho não se garante e apela para truques? Vou te ensinar uma liçãozinha...”


Enquanto ele tentava se recobrar da situação, ela aproveitou que ninguém olhava naquele momento e alisou a virilha do rapaz por sobre a calça. A momentânea surpresa e alegria que Rafael sentiu pelo gesto inesperado logo se transformou em profunda decepção. Ele sentia sua virilidade se esvaindo.


Novamente falando, Isaura sorri e pisca o olho para ele:
- Assim ficamos elas por elas. Eu vou ficar com vontade, sabendo de seu truque sujo e sentindo muita raiva e você vai ficar sem vontade nenhuma, sabendo que foi o meu truque sujo!


Isaura volta para o salão e recomeça a dança. A noite prometia. Imagine só, encontrar um Não-Doutrinado na festa... e logo o velho Rafael! Talvez seus superiores queiram saber mais sobre ele. Talvez ela consiga informações importantes sobre os Iniciados locais.


Ainda dançando ela se volta para ele. Seu ar de confusão, raiva e vergonha misturados estava engraçado. Isaura começou a pensar que talvez ele merecesse o tão cobiçado “prêmio” de ter sua companhia na cama esta noite. Ele era perfeito: bonito e idiota.


Ela só iria deixa-lo furioso e encabulado por mais um tempo, como uma lição. Depois, uma noite bem feliz.


E então, ele iria entender o que era se meter com uma Centriaria...

CONQUISTANDO ISAURA foi escrito por Danilo Faria

Rebelião 3: Gula



O anel em sua mão esquerda é de ouro branco, e sua face continha uma opala polida, com uma cruz argêntea engastada sobre ela - seus quatro braços terminavam em setas, apontando assim o norte, sul, leste e oeste ao mesmo tempo, representando equilíbrio de caráter. Sua base era levemente maior que os outros braços, mostrando uma tradição sólida e inquebrantável. A própria opala tinha um significado - era a noite, fria noite escondida nas asas de seus pais...


Ele caminhava com a graça e a beleza de uma pantera espreitando. Suas roupas eram feitas sob medida, e negras como sua pele. Usava os cabelos raspados, e no seu rosto nada chamava a atenção, a não ser o verde profundo de seus olhos, que atraiam o olhar de todos que a ele se dirigiam. Uma vez capturada por aquele olhar, qualquer vontade fraquejava. O rapaz caminhando atrás dele vinha bem vestido, com um bonito terno cinzento. Ele também tinha um anel em sua mão esquerda, representando seu matrimônio com a augusta confraria dos Precursores. Desde que fora entregue ao seu preceptor, dois anos atrás, Flávio prosperou como jamais sonhara - recolhido da imundice das ruas, foi lavado da sujeira e da mediocridade por seus irmãos maiores. Foi tratado com igualdade, e quem antes se desprezava, aprendeu a respeitar a pureza de seu sangue e de sua ascendência. E o poder...


Alfonsus senta-se em sua confortável cadeira, à cabeceira de uma mesa de carvalho sólido, cuja idade supera a do próprio Aurélius, O Primus. Flávio senta-se à sua esquerda, e a um pedido do cavalheiro que o presi-de, liga os monitores. A parede diretamente a frente de Alfonsus brilha e emite imagens dispares de ambientes diversos, pessoas se drogando, copulando, se matando. Numa das imagens, homens e mulheres bem vestidos apostam com galantaria enquanto dois homens se digladiam num ringue manchado de sangue.
- Aqueles que vão morrer te saúdam - diz Alfonsus ao seu discípulo, no sorriso suave em que a pan-tera mostra seus dentes alvos e mortais às suas presas. Os mais terríveis opiários de Hong Kong, as mais devas-sas fossas de Sodoma se fechariam à visão do que entretêm os nobres Precursores. Com um suspiro contido de enfado, Alfonsus fala:
- Estes homens e mulheres estão consumindo o que lhes ofereço, e eu só ofereço o que lhes sacia. Prazer, prazer pela dor, prazer pelo vício, pelo amor... - neste momento, um sorriso de maior interesse esboça-se mais em seus olhos que em seus lábios - não, certamente não pelo amor. Mas, de qualquer forma, sou infini-tamente complacente com suas fraquezas. Entretanto, não provo de nada do que lhes ofereço. Sigo intocado pelos prazeres simples do consumismo, apenas observando... por que, Flávio? O que me sacia?
Ele observa a face do jovem se contrair em pensamento, sua imagem manchada pelos fantasmas colori-dos projetados pelas telas. Por fim, ele responde:
- Eles. Enquanto consomem o que lhes oferece, o senhor os consome, avidamente, sem comedimentos, pois sabe que eles continuaram a vir em massa, um após o outro...


A pantera novamente exibe seus dentes num ronronar gutural, que tanto pode ser um sorriso de aprova-ção quanto o prenúncio do rugido. Eles voltam sua atenção para os monitores - um influente político, com uma expressão abobada de admiração suína, ajoelha-se aos pés de uma voluptuosa cortesã, cuja fantasia de couro insinua demais e esconde pouco.
"Promissor, meu jovem irmão. Devo tomar conta dele."
E os predadores continuam espreitando.

GULA foi escrito por Renato Simões