Uma enorme estrela vermelha e dourada enfeitava o topo da imponente árvore de Natal. Bolas multicoloridas cobriam os ramos prateados como se fossem reluzentes frutos maduros e apetitosos. Ao pé, dezenas e mais dezenas de presentes, todos embrulhados com o máximo esmero.
Jakeline, sete anos de idade, olhava tudo aquilo em estado de êxtase. Seus olhos pareciam brilhar mais forte que as letras de neon que anunciavam o nome da loja de brinquedos.
Jakeline, sete anos de idade, jamais conhecera seu pai, e há mais de dois anos também não via a sua mãe. Seu lar era a própria rua, vivia como tantas outras crianças sem rumo no centro de São Paulo. Uma existência sofrida e atribulada, sujeita a tantos males e angústias, que ela compartilhava com algumas de suas pequenas companheiras do asfalto. Em uma típica metrópole brasileira nós sentimos a cada momento o contraste marcante entre a riqueza mais luxuosa e a pobreza mais vil.
Esta garotinha aparecera na televisão meses atrás numa reportagem sobre menores de rua — onde fora chamada apenas de J. — mas já não se lembrava mais disso. Afinal de contas, sua vida não mudara em nada, ninguém apareceu para transformá-la em estrela-mirim, tampouco para dar-lhe uma casa ou assistência.
Mas a garota magricela, de olhos negros como a noite, mesmo assim, apesar de toda a sua existência amarga, jamais perdera a capacidade de sonhar. E a cada noite, ela voltava àquela mesma rua, para olhar aquelas mesmas vitrines. Atrás dela, em uma loja de artigos de luxo vendiam-se bolsas e relógios tão caros que um trabalhador humilde teria que vender a casa para poder comprar, mas não eram estes objetos que atraíam mais a sua atenção. Ela não tinha nada que precisasse guardar numa bolsa, e muito menos precisava saber que horas eram.
Tudo o que ela carregava eram seus sonhos, imaculados e protegidos de todos os males do mundo exterior. Ela sempre sonhava com estrelas, aquelas luzes faiscantes e coloridas que tornavam até noite mais escura um pouco mais bonita.
Ela não queria os presentes espalhados pela loja, ela queria apenas aquela estrela. Aquele cintilante objeto de pontas douradas e miolo cor de sangue. Era o seu objeto de desejo.
Alheia à sua contemplação solitária, ela não percebeu a chegada dos três homens elegantemente vestidos. Ternos de uma brancura impecável, contrastando com as gravadas azul-marinho. Eles lançaram um sorriso para ela.
Jakeline só pensou em correr. Correu. Correu. Correu. Alguns homens sorriam para ela, às vezes, e em quase todas essas ocasiões, eles tinham idéias ruins na cabeça. A pequena garota de cabelos castanhos compridos fugiu com tanta pressa, que nem viu que os três engravatados após passarem por ela adentraram aquela loja de brinquedos.
A menina aninhou-se dentro de uma cama improvisada, feita com caixas, cobertores velhos e um colchão mofado. Outras crianças dormiam ali por perto. As lágrimas rolaram pela face infantil: o beco escuro onde dormia parecia ainda mais escuro agora. O céu nublado encobria o brilho das estrelas, e uma pequena garoa começava a cair.
“Jakeline!”, ela pensou estar enganada quando ouviu o próprio nome, que foi repetido mais uma vez.
Ela puxou o cobertor descobrindo o rostinho, e viu a estrela brilhando, bem acima de sua cabeça. Os três homens estavam ali parados.
— Jakeline, não tenha medo — era um homem de cabeça raspada e olhos esverdeados que falava — nós viemos aqui para buscá-la. A voz tinha um tom sereno e tranqüilizante, apesar de um leve sotaque estrangeiro, e a garota já não sentia mais medo.
— Somos seus irmãos, menina — complementou o segundo rapaz, que era moreno e tinha o cabelo descolorido e arrepiado. — Nós somos a sua verdadeira família, Precursora. À sua volta as outras crianças do beco pareciam estar num sono profundo.
— Teu lugar não é aqui, Jakeline — disse o último componente do trio, com fartos bigodes ruivos e a cabeleira comprida presa num rabo de cavalo. — Tome a Estrela de Natal, ela é sua. Para sempre.
E a menor abandonada juntou-se a seus irmãos e jamais foi vista pelas ruas. Ela achara sua família e havia pego a sua estrela. Mas antes de partir, ela ainda lançou um olhar tristonho para as outras crianças e adultos que acomodavam-se desajeitadamente na calçada suja.
Será que todos os outros também seriam resgatados um dia?
Haveria uma Estrela de Natal especialmente reservada para todo mundo?
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