sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Rebelião 53: Estrela de Natal

Uma enorme estrela vermelha e dourada enfeitava o topo da imponente árvore de Natal. Bolas multicoloridas cobriam os ramos prateados como se fossem reluzentes frutos maduros e apetitosos. Ao pé, dezenas e mais dezenas de presentes, todos embrulhados com o máximo esmero.

Jakeline, sete anos de idade, olhava tudo aquilo em estado de êxtase. Seus olhos pareciam brilhar mais forte que as letras de neon que anunciavam o nome da loja de brinquedos.

Jakeline, sete anos de idade, jamais conhecera seu pai, e há mais de dois anos também não via a sua mãe. Seu lar era a própria rua, vivia como tantas outras crianças sem rumo no centro de São Paulo. Uma existência sofrida e atribulada, sujeita a tantos males e angústias, que ela compartilhava com algumas de suas pequenas companheiras do asfalto. Em uma típica metrópole brasileira nós sentimos a cada momento o contraste marcante entre a riqueza mais luxuosa e a pobreza mais vil.

Esta garotinha aparecera na televisão meses atrás numa reportagem sobre menores de rua — onde fora chamada apenas de J. — mas já não se lembrava mais disso. Afinal de contas, sua vida não mudara em nada, ninguém apareceu para transformá-la em estrela-mirim, tampouco para dar-lhe uma casa ou assistência.

Mas a garota magricela, de olhos negros como a noite, mesmo assim, apesar de toda a sua existência amarga, jamais perdera a capacidade de sonhar. E a cada noite, ela voltava àquela mesma rua, para olhar aquelas mesmas vitrines. Atrás dela, em uma loja de artigos de luxo vendiam-se bolsas e relógios tão caros que um trabalhador humilde teria que vender a casa para poder comprar, mas não eram estes objetos que atraíam mais a sua atenção. Ela não tinha nada que precisasse guardar numa bolsa, e muito menos precisava saber que horas eram.

Tudo o que ela carregava eram seus sonhos, imaculados e protegidos de todos os males do mundo exterior. Ela sempre sonhava com estrelas, aquelas luzes faiscantes e coloridas que tornavam até noite mais escura um pouco mais bonita.

Ela não queria os presentes espalhados pela loja, ela queria apenas aquela estrela. Aquele cintilante objeto de pontas douradas e miolo cor de sangue. Era o seu objeto de desejo.

Alheia à sua contemplação solitária, ela não percebeu a chegada dos três homens elegantemente vestidos. Ternos de uma brancura impecável, contrastando com as gravadas azul-marinho. Eles lançaram um sorriso para ela.

Jakeline só pensou em correr. Correu. Correu. Correu. Alguns homens sorriam para ela, às vezes, e em quase todas essas ocasiões, eles tinham idéias ruins na cabeça. A pequena garota de cabelos castanhos compridos fugiu com tanta pressa, que nem viu que os três engravatados após passarem por ela adentraram aquela loja de brinquedos.

A menina aninhou-se dentro de uma cama improvisada, feita com caixas, cobertores velhos e um colchão mofado. Outras crianças dormiam ali por perto. As lágrimas rolaram pela face infantil: o beco escuro onde dormia parecia ainda mais escuro agora. O céu nublado encobria o brilho das estrelas, e uma pequena garoa começava a cair.

“Jakeline!”, ela pensou estar enganada quando ouviu o próprio nome, que foi repetido mais uma vez.

Ela puxou o cobertor descobrindo o rostinho, e viu a estrela brilhando, bem acima de sua cabeça. Os três homens estavam ali parados.

— Jakeline, não tenha medo — era um homem de cabeça raspada e olhos esverdeados que falava — nós viemos aqui para buscá-la. A voz tinha um tom sereno e tranqüilizante, apesar de um leve sotaque estrangeiro, e a garota já não sentia mais medo.

— Somos seus irmãos, menina — complementou o segundo rapaz, que era moreno e tinha o cabelo descolorido e arrepiado. — Nós somos a sua verdadeira família, Precursora. À sua volta as outras crianças do beco pareciam estar num sono profundo.

— Teu lugar não é aqui, Jakeline — disse o último componente do trio, com fartos bigodes ruivos e a cabeleira comprida presa num rabo de cavalo. — Tome a Estrela de Natal, ela é sua. Para sempre.

E a menor abandonada juntou-se a seus irmãos e jamais foi vista pelas ruas. Ela achara sua família e havia pego a sua estrela. Mas antes de partir, ela ainda lançou um olhar tristonho para as outras crianças e adultos que acomodavam-se desajeitadamente na calçada suja.

Será que todos os outros também seriam resgatados um dia?

Haveria uma Estrela de Natal especialmente reservada para todo mundo?

ESTRELA DE NATAL foi escrito por Simoes Lopes

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