As catacumbas eram formadas por um intricado labirinto de passagens estreitas, que exalavam um ar úmido, bolorento e abafado. O corpo de Enrique Royo jazia depositado numa vala profunda, envolvido em faixas apertadas de linho. Os longos cabelos negros do rapaz haviam sido ungidos com uma mistura oleosa de mirra e incenso, cujo aroma forte era a única sensação clara que o entorpecido Enrique conseguia sentir nesse momento.
Seu coração pulsava cada vez com menos força, sua respiração já parara há exatos trinta segundos, e cinco filetes de sangue escorriam das feridas em suas palmas, pés e flanco. Cinco homens, cobertos inteiramente com mantos e capuzes negros, estavam rezando ajoelhados ao redor da vala onde o jovem mexicano parecia estar sendo sepultado.
Estes homens são seus amigos, mas o que eles mais desejam agora é vê-lo morto.
Um dos homens ergueu uma foice de ouro, e com ela riscou uma cruz no chão de terra fofa. Assim que recolheu o instrumento dourado, os seus companheiros começaram a cobrir o corpo do jovem com a terra.
Assim que o sepultamento pareceu estar finalmente concluído, um outro encapuzado depositou com delicadeza o corpo de um jovem cordeirinho degolado sobre a terra que cobria o corpo.
Rezaram mais um tempo com as vozes quase inaudíveis, até que o homem com a foice dourada gritou em voz alta:
— Em nome do Sangue do Cordeiro, da Carne do Leão e da Foice de Azrail, nós clamamos por nosso amigo! Retorna!
Os cinco homens sem rosto ergueram-se e começaram a pular freneticamente ao redor do sepulcro, gritando e batendo palmas freneticamente.
Um punho cerrado apareceu de dentro do manto de terra.
— Retorna! — gritavam todos sem parar a sua dança macabra.
O rapaz saiu do túmulo com movimentos vigorosos, espalhando enormes torrões de terra úmida e escura por todos os lados. Caiu de joelhos, enquanto se livrava das bandagens cinzentas.
Os misteriosos sacerdotes remexeram nos largos bolsos de seus mantos e tiraram delas máscaras brancas de caveira. O homem com a foice golpeou Enrique bem na testa.
— Recebe a marca da Foice do Anjo da Morte, Enrique Royo, Irmão de Golgotha!
Enquanto o sangue escorria, ele aproximou uma taça de ouro da boca do neófito. Este sorveu um líquido vermelho-escuro e viscoso.
— Bebe do Sangue do Cordeiro, Enrique Royo, Irmão de Golgotha!
As pupilas do jovem se dilataram, e seus olhos ficaram injetados de sangue. O sacerdote colocou um pãozinho branco de casca dura na mão do novato. Este arrancou um pedaço com os dentes e mastigou com vontade.
— Prova da Carne do Leão, Enrique Royo, Irmão de Golgotha!
À medida que mastigava sua refeição, o rapaz parecia tornar-se mais forte. Seus ossos pareciam mais pontudos, seus dentes reluziam. Ele rasgou de um golpe só as faixas que envolviam seu peito, revelando uma máscara de caveira escondida sob as bandagens. Pegou a máscara e ajustando-a ao próprio rosto, gritou para seus companheiros no ritual.
— Pedro Martínez, Irmão de Golgotha, eu desci à mansão trevosa e voltei!
— Jacob Ximeno, Irmão de Golgotha, eu desci à mansão trevosa e voltei!
— Bermudo Veleda, Irmão de Golgotha, eu desci à mansão trevosa e voltei!
— Dimas Télez, Irmão de Golgotha, eu desci à mansão trevosa e voltei!
— Sóter González y García, Irmão de Golgotha, eu desci à mansão trevosa e voltei!
Os cinco homens com máscaras de caveira, integrantes da peculiar seita celeste conhecida como Golgotha, cumprimentaram seu mais novo companheiro.
— Nós, teus Irmãos mais velhos, descemos às Trevas para renovar as tuas forças. Tu és o mais novo de nossos Irmãos, conduza-nos de volta à Luz — disse Pedro Martínez.
Enrique procurou pela saída do túnel, mas a escuridão era tão densa que ele não conseguia se localizar. Um miado ríspido o despertou de seu transe. Um gato-selvagem de pêlo negro roçava em sua perna.
— Azrail, Anjo da Morte, Aquele que está no Fim de Tudo, eu agradeço este guia por ti enviado! Cazador será seu nome.
Os olhos do gato brilharam num branco intenso, e ele começou a correr, subindo em direção à saída. À medida que Enrique o seguia, os outros foram atrás, formando um silencioso cortejo até o portal que marcava a entrada da galeria subterrânea.
E assim a Golgotha ganhava mais um integrante, para fazer com que a Morte venha a este mundo encerrar o domínio do Mal que oprime a Vida.
Retorne ao Universo Germinante
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