Bruno Ferrini inseriu o CD no computador, e com alguns comandos rápidos iniciou a transferência dos dados criptografados. Kayla Madison olhava com atenção. A tela de fósforo verde começou a mostrar uma relação de nomes e dados. Kayla lia com atenção as informações que iam aparecendo no monitor.
Codinome: Vivaqua
Nome real: desconhecido
Gema: verde
Avatar: Água
Codinome: Selache
Nome real: Belina Balestera
Gema: amarela
Avatar: Água
Codinome: Aërion
Nome real: Márcio (sobrenome desconhecido)
Gema: azul
Avatar: Ar
Codinome: Spalax
Nome real: Yuri Dmitrievitch Sondarov
Gema: vermelha
Avatar: Terra
Codinome: Vayuja
Nome real: desconhecido
gema: branca
Avatar: Ar
Codinome: Phlox
Nome real: Valentine Crow
gema: vermelha
Avatar: Fogo
Bruno coçou o nariz, e explicou que ainda faltava incluir as novas informações acerca de mais outros avatares, de nomes Flamestar, Sanctelmus, Atmus, Papillon, Fuji, Byzas, Pampeluna, Itajubetê e Nasamo. o homem baixo, de cabelos castanhos, ainda explicou que as informações eram o resultado de um longo trabalho de pesquisa dos membros da Voz em Londres.
Os Adoradores da Lua Negra não toleravam a existência de qualquer inimigo, e os Avatares já haviam impedido diversas ações dos seguidores de Desespero e provocado muitas mortes em suas fileiras. Era chegada a tão esperada hora de um acerto de contas, e Bruno e Kayla eram os mais renomados membros do Braço em Miami.
O telefone tocou, e Bruno atendeu rapidamente. Do outro lado da linha, surge a voz gutural e desagradavelmente fina de Margaret Willisport. Kayla sabe que seu colega está recebendo informações vitais e ordens severas, e aguarda pacientemente pelo que ele irá lhe dizer.
O ítalo-americano de baixa estatura coloca o telefone de cor escura no gancho, e caminha até a janela com aspecto de cansaço. Acende mais uma vela negra na mureta, e após entoar uma prece curta e quase inaudível, dirige-se à parceira:
— Selache será o alvo.
Kayla antecipa-se a seu colega de seita e volta ao computador. Senta-se, arrasta o mouse com presteza e clica no nome “Selache”, abrindo uma nova página com uma série de dados compilados.
“Selache, de nome Belina Balestera, nascida em Acapulco, México. Idade provável de cerca de 27 anos, estado civil, viúva. Seu primeiro contato conosco foi em Nova Jersey, quando enfrentou sozinha Justin Dames, integrante do Braço, derrotando-o e matando-o. Mais tarde, invadiu propriedade nossa em Madri e destruiu tudo o que pôde. Sua última ação foi o assassinato de Theresa Minkowitz em Aruba. Os sobreviventes de seu último ataque nos forneceram boa parte das informações que dispomos. Provável paradeiro: Brasil.”
A californiana e seu colega absorveram as informações como se fossem esponjas. O que não constava ainda do banco de dados era o mais importante: Selache havia sido encontrada na cidade de Belém, na Amazônia brasileira, e duas integrantes da Voz já estavam mantendo vigilância. Margaret Willisport, sacerdotisa, havia ordenado a presença de membros do Braço para uma ação punitiva. Não deveriam perder tempo. Bruno e Kayla haviam sido convocados para seguir imediatamente para Belém, onde se juntariam a Leandro Everardo e Lisandra Pires, Adoradores brasileiros.
A viagem, num jatinho particular, foi rápida e sem maiores problemas, e foram recepcionados no aeroporto paraense por uma integrante da Voz, Helena Chamorro. Guiados por ela, seguiram com presteza para o destino combinado.
Ao chegar à suntuosa cobertura duplex de Leandro Everardo, o próprio já os esperava na porta. Era alto, com quase dois metros de altura, de pele morena, e os cabelos claros presos num rabo de cavalo. Lisandra Pires estava sentada num sofá de veludo azul, vestindo uma mini-saia branca e mantendo os cabelos ruivos e encaracolados soltos pelos ombros. Kayla já trabalhara com ela na Argentina, e cumprimentou a brasileira com um leve beijo no rosto. Apresentou a dupla brasileira a seu colega Ferrini. Helena retira um minúsculo celular do bolso e liga para Adriana Bopp, sua superiora, residente em São Paulo. Helena Chamorro conversa por vários minutos, recebendo as últimas e definitivas instruções.
Todas as luzes do apartamento são apagadas. Os quatro dirigem-se a um pequeno cômodo na cobertura. Cinco velas são acesas no chão, a cera negra derretida pinga em gotas quentes e abundantes. No chão, um mosaico de pedras tingidas de sangue humano forma a silhueta de um enorme demônio. Em um pequeno altar junto à janela, dois gatos estão empalados em estacas de madeira. Ladeado pelos cadáveres, está um enorme pote de vidro cheio de um líquido gelatinoso e avermelhado, dentro do qual flutuam cinco mãos humanas arrancadas, todas esquerdas. O cômodo é coberto por um campanário transparente por meio do qual é visto o céu carregado de nuvens cinzentas. Bem, no alto, a Lua Nova, negra e soturna, parece prenunciar que a Escuridão está afiando suas garras.
Os quatro caçadores blasfemos despem-se de suas roupas e ajoelham-se perante o altar. Helena segura uma adaga com caracteres gravados em duas mãos, e uma recurva garra de uma ave de rapina — seria uma coruja? — na outra. Ela retira a tampa do pote e retira uma das mãos cadavéricas, sem aparentar o menor desconforto. Mergulha os dedos mortos no sangue que escorre abundante dos animais sacrificados, e canta uma breve ode a seu mestre infernal.
Cala-se, então.
Caminha até Leandro, e com os olhos revirados, passa a mão ensangüentada pelo peito desnudo do gigante, após o que imediatamente começa a entoar um cântico diabólico. Faz uma pausa, e bate no rosto dele com a mão morta, entregando-a a ele.
Repete a operação com todos os presentes, até que só reste uma mão boiando no líquido nojento, que ela então toma para si. Com a garra de coruja, ela faz incisões rituais nos braços de cada um quatro Adoradores ajoelhados atrás das velas, e repete as mesmas marcas na palma da mão ensagüentada que coloca bem no centro do desenho no chão, a uma distância simétrica das negras velas e dos humanos ajoelhados.
Ajoelha-se e canta mais uma vez, no que é acompanhada pelo sinistro quarteto.
Como se respondesse a uma espécie de chamado, uma pequena serpente negra surge do altar, esfregando-se demoradamente no sangue que escorre dos gatos. A língua bífida e nervosa lambe o sangue com sofreguidão.
Ela pula para o chão e começa a rastejar por entre os Adoradores, deixando em seu rastro uma linha sangrenta no chão que aos poucos vai delineando um pentagrama tendo as velas como vértices.
Ela então sibila num agudo tão estridente que faz doerem os ouvidos dos presentes. Eles levantam-se e começam a dançar compassadamente ao redor do pentagrama. A cobra aproxima-se da mão ensagüentada e arrancada no centro do mosaico infernal e começa a dilatar as mandíbulas.
Vai devorando a mão, pouco a pouco.
Pouco a pouco.
A deglutição é lenta.
Demorada.
O corpo agora está mais largo e horrendamente dilatado, e com ele o animal arrasta-se pesadamente para fora do traçado no chão. Os quatro serviçais do Demônio batem nos braços uns dos outros, com tanta força, que os ossos parecem estalar.
A cobra continua rastejando, escala o altar. A língua oscila nervosamente, como se estivesse saboreando as partículas de odor da carne morta. Abre sua boca e começa a devorar também os cadáveres dos gatos. As mandíbulas elásticas expandem-se ainda mais, e o monstruoso réptil — após um processo igualmente lento, demorado — engole completamente os corpos peludos, transformando o que eram formas esguias em uma massa disforme de tão pesada.
Os guerreiros do Braço suspendem por um momento sua dança extática. O ritual perverso está próximo de seu clímax.
Um último assovio, muito mais alto e agudo, marca o último som emitido pelo ofídio, que despenca do altar, caindo no chão duro. Helena, com os olhos injetados de sangue, pupilas dilatadas, batimentos acelerados, arrasta o animal caído para o centro do pentagram. Segura a garra de ave e com ela começa a cortar, lenta e cuidadosamente, o ventre da cobra no sentido longitudinal.
O sangue espirra com pressão excessiva, salpicando o belo rosto da mulher com horríveis manchas coaguladas. A medida que a pele vai rasgando, diabretes insanos começam a brotar das entranhas do ofídio. Demônios do tamanho de ratazanas, cujos insanos atributos incluem minúsculos olhos com pupilas felinas, línguas bífidas e viscosas, e corpos de homúnculos. Eles saltam para o meio do pentagrama, e quando tocam no chão pedrento do mosaico, a silhueta demoníaca desenhada parece ganhar contornos tridimensionais. Uma aura diabólica parece brilhar em cada pessoa presente, em cada objeto, em cada molécula. Os duendes macabros saltam sob o corpo de Helena, e começam a lamber e mordiscar sua pele.
Bruno Ferrini, Kayla Madison, Leandro Everardo e Lisandra Pires cerram os punhos e soltam um grito tão horrendo e inumano quanto o silvo do réptil.
Selache, a avatar aquática, acaba de ter sua sentença de morte declarada. Os quatro assassinos indicados para a execução retiram-se da sala, deixando Helena a sós com os demônios disformes. A bela mulher deita-se no chão, cercada por seu cortejo abjeto, os olhos vidrados indicam um estado de transe avançado. A silhueta diabólica a cobre como se fosse uma nuvem avermelhada e translúcida.
Uma lufada de vento apaga todas as velas ao mesmo tempo, mergulhando o recinto na mais completa escuridão. No vasto céu noturno, o brilho das estrelas não é suficiente para iluminar o negrume de mais uma Lua Nova.
Escuridão no céu. Escuridão na terra. Escuridão nas almas dos humanos.
Desespero mais uma vez estende seu Braço, com pulso forte e garras afiadas.
Retorne ao Universo Germinante