segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Maytréia 26: Triste Natividade


Ele observa com orgulho o grupo de jovens que se retira da sala. Em todos eles os olhos brilhavam com a empolgação dos novos aprendizados que lhes foram passados. Não eram muitos, mas eram a nata, eram a elite. Alguns ficam para conversar após a aula. O interesse deles nos conhecimentos transcendentais e a clara demonstração de apreço pelo mestre eram um alento para o seu espírito. Ele sentia-se bem, útil e feliz.

Ali, preparava guerreiros na luta pela dominação da Realidade. O mundo precisava ser libertado e ele sabia que isso não seria conseguido sem luta. É verdade que ainda não havia sido definida a função da Loja que havia acabado de fundar. Mas ele sabia do que a Divindade precisava agora: soldados. Aqueles que se sacrificariam na gloriosa batalha pela libertação da humanidade e sua Iluminação.

Uma jovem Postulante faz uma pergunta sobre Egrégoras a qual ele responde animado. Durante a pergunta se lembra do encontro com a Egrégora da Loja uma semana antes. Seu dom raro e especial que lhe permitia ver a Egrégora na forma de uma bela e cativante mulher o ajudava muito. Foi assim que ele começou a descobrir o caminho para o seu dharma.

Mas há uma semana ele levou um susto. A Egrégora apareceu e disse simplesmente que já havia decidido qual seria a função da Loja.

“Ela será uma Loja de Ensino”, disse a personificação com sua voz suave e apaziguadora. Na mente dele a imagem da Loja se formou imediatamente — era sempre assim em suas conversas com a Egrégora.

“Me perdoe... mas não acha que precisamos de soldados para a Guerra Oculta?”, perguntou humildemente.

“Sim. Mas devemos dar a cada um o que lhe é devido. Você atraiu construtores e planejadores e não guerreiros. O mundo não é feito apenas de soldados.” Em sua mente ele “vê” os seus alunos Postulantes.

“Peço novamente seu perdão... mas existem representantes de todas as Tendências em nossa pequena Loja.”

Ela sorri e uma grande luz se espalha em seu sorriso.

“Mas mesmo um Xatrya pode construir e planejar. Foi isso o que atraiu. Se atrai coisas diferentes, terá coisas diferentes.” Na mente dele desfilam as imagens de soldados construindo pontes sobre rios, médicos trabalhando no campo de batalha e militares em fábricas diversas. E novamente a imagem de sua Loja e dos Postulantes se sobrepondo.

E sorrindo a imagem de Liberdade se vai.

Aquilo o deixou um pouco perturbado. Havia trabalhado tanto para montar um exército como nenhum outro. Via a civilização americana sendo construída através de batalhas honradas e sacrifícios heróicos de seus soldados. Seus meninos, seus Postulantes. Não podia acreditar que as coisas não seguiriam de acordo com o planejado.

No início se conformou. Era o desejo da Divindade, não cabia a ele discutir. Afinal de contas, aquilo estava perfeitamente alinhado com o seu dharma. No final, o que importava era o cumprimento dele e sua conseqüente Iluminação. Contudo, dentro dele algo resistia. Era tão magnífica a idéia de construir a Civilização Americana retirando todos os que impediam seu despertar! Sendo honesto consigo mesmo, ele não conseguia enxergar outro caminho.

Mas então ele percebeu que a própria Egrégora havia mostrado uma saída. Quais foram mesmo as últimas palavras dela?

“Se atrai coisas diferentes, terá coisas diferentes.”

Tudo ficou maravilhosamente claro, então. Era só uma questão de trabalhar energias diferentes para atrair seres diferentes! Era tão óbvio. Ele fez uma prece de agradecimento à Divindade e dormiu o sono dos justos.

E ali estava ele respondendo à jovem que inquirira sobre Egrégoras. Observava nela o futuro que a esperava e como ele seria grandioso. Sentia orgulho disso. Por isso estranhou a sensação que lhe passou o sorriso dela quando se despediu.

Ela disse “adeus”, ao invés de “até logo”. Ele pretendia corrigi-la, mas esbarrou no sorriso que ela emitiu. Era um sorriso brilhante, que passava uma idéia suave e apaziguadora. Era um sorriso que conhecia bem e que gostava muito. Era o sorriso de Liberdade.

Enquanto sua Postulante se afastava, ele se perguntava o por que dessa sensação. Mas logo afastou os pensamentos. Tinha que continuar seus planos e fazer o que devia ser feito. Algumas modificações nos rituais e em alguns elementos distribuídos em pontos estratégicos da Loja provocariam as mudanças. Talvez até mesmo uma mudança no nome dela. Aos poucos, todos se encaixariam — é verdade que haveria aqueles que não conseguiriam se adaptar, mas paciência; as coisas são assim. De qualquer forma, ele voltava a sentir o velho orgulho pelo seu trabalho.

E assim, com “orgulho” sendo a palavra-chave de sua queda, ele seguiu seguro de si e esquecendo-se da Egrégora que acabara de se despedir dele. Outras tomariam o lugar dela e talvez nem percebesse. Ou, mais provavelmente, uma parte dele percebesse sendo logo abafada e jogada de lado, com justificativas lógicas e indiscutíveis. Sem perceber (ou percebendo e ignorando solenemente), desceria degrau por degrau para um brilhante e maravilhoso fundo do poço; seguro de que sabia o que fazia. Quem ousaria discutir? O que ele planejava era o certo e isso era perfeitamente discernível para qualquer um que tivesse um mínimo de inteligência. Não sabia ele o que era melhor para a humanidade?

E assim, orgulhosamente, nascia mais um Cinzento.

TRISTE NATIVIDADE foi escrito por Danilo Faria

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