quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Rebelião 19: Deus Ex Machina (Parte 1 de 3)


Imponente, o prédio pairava à frente deles. Verticalmente, não era tão impressionante, deveria ter uns três andares. Mas horizontalmente, ele se destacava na paisagem, estendendo-se por cerca de três quilômetros no enorme terreno em que se apoiava, numa saída da estrada que leva para Seropédica. As cercas de arame farpado acima do muro de concreto, com câmeras instaladas estrategicamente de maneira a observar todo o movimento local e as guaritas com guardas nos portões e nas quebras dos muros indicavam claramente que este não era um lugar para visitantes inoportunos.

Para Thiago e Gilda, não impressionava nem um pouco.

Eles já tinham tudo planejado. Já haviam adquirido informações sobre a estrutura do prédio e os mapas que eles riscaram eram bem definidos. Claro, haviam sido feitos com as informações tiradas de um alto funcionário de lá de dentro. As informações foram adquiridas por Primevo (era assim mesmo que ele gostava de ser chamado), um Primal que se utilizou de meios pouco ortodoxos para isso e que pediu como pagamento “provocar a maior quantidade de danos possível à aquele local artificial” (observação esta acompanhada de um sorriso estranho). Eles sabiam que o primo deles da Linhagem dos Primais teria acompanhado a dupla na invasão se não tivesse outros assuntos a tratar. Na verdade, eles ficaram um pouco aliviados quando souberam disso.

O que importava era que eles tinham o que precisavam e ainda confirmaram suas suspeitas: Clow se encontrava prisioneiro deles e seus amigos não deixariam de resgatá-lo.

Enquanto se aproximavam, o primeiro a falar foi Thiago. Seu instinto de membro pertencente à Linhagem dos Guerrilheiros não o deixou passar em branco as defesas e a tecnologia local.

— Tremendo sistema de defesa, não? As câmeras, se não me engano é da marca...

— Certo, certo. – Gilda não conseguiu evitar o corte – por onde entramos?

Thiago não consegue deixar de pensar em como os Veneráveis são fúteis. Tão misteriosos, cheios da sua história de “mãe para cá e mãe para lá”, mas no fundo são vazios. De qualquer maneira, são Nefilim e devem ser considerados como tal.

Gilda sabia o que seu amigo pensava, mas ignorou. Fazia parte de qualquer amizade pensarem que são melhores do que nós e que as respostas que servem a um servirem à todos. Além do mais, deve ter sido desagradável levar um corte desses na empolgação de descrever as máquinas modernas de defesa e destruição que um Guerrilheiro típico tanto adora.

Mas eles precisavam resgatar Clow.

— De onde será que ele arrumou esse apelido? Ela perguntou em voz alta enquanto eles caminhavam em direção ao muro.

— O quê?

— De onde será que ele inventou esse apelido: Clow?

Thiago nem se preocupou em pensar no assunto.

— Não sei. Coisa de Acólito. Você sabe?

— Não — Ele simplesmente devolveu o questionamento dela, sem pensar. Ela fingiu não ter percebido isso.

O Guerrilheiro observou sua amiga. O rosto dela demonstrava alguma tensão. Ao contrário dos Guerrilheiros, os Veneráveis não eram chegados a um confronto direto, com explosões e barulho. Apesar do prazer de antecipar a luta e de lamentar intimamente como seus primos ignoravam esse prazer, ele achou que deveria ficar atento para proteger a sua amiga se fosse necessário.

— Pronta?

Gilda estava realmente preocupada. Entre as táticas de subterfúgio dos Veneráveis e as táticas de combate dos Guerrilheiros, era muito mais fácil que as últimas estragassem as primeiras numa situação como essa. Todavia, isso não a tornava uma covarde. Ela não iria fugir da luta e não deixaria Thiago correr este risco sozinho por Clow.

— Sim. Estou.

Eles olham em volta. Nenhum movimento. As câmeras não alcançavam onde eles estavam, mas eles sabiam que aquele ponto era importante. Afinal de contas, abaixo deles o complexo se estendia por mais um quilômetro.

Thiago pisca o olho para a Venerável. Sua roupa preta, de couro brilhoso, com rasgos nos joelhos e correntes penduradas, aliados a um cabelo parcialmente pintado de roxo e piercings na narina esquerda e nas orelhas, lhe davam um ar bem “chamativo”. Contudo, os quase dois metros de altura e 95 quilos ajudavam a manter os piadistas a distância. Carregava uma maleta de mão preta.

— Te vejo daqui a 15 minutos.

Ela sorri de volta. Chamava a atenção exatamente pelo oposto. Usava um vestido simples e leve e sandálias. Seus enfeites eram uma gargantilha, algumas pulseiras e uma correntinha no tornozelo. Seu cabelo ruivo, cortado bem curto e com uma mecha caindo sobre a testa e a maquiagem muito leve, realçavam sua beleza de uma maneira incomum. Tinha uma mochila nas costas.

— Estarei lá.

Ele se concentra e mergulha literalmente no chão. Gilda, por sua vez, se concentra e transforma todo o seu corpo e roupas em ar, ficando invisível para quem não a procurasse ativamente. Assim transformada, passeia tranqüilamente pelo complexo e — a não ser pelo fato de ter que esperar sempre que alguém lhes abra as portas — não enfrenta nenhum obstáculo à seu intento.

Quinze minutos depois, quando Thiago se desmaterializou e saiu do teto, em uma parte mais obscura do complexo subterrâneo, ela já estava lá, esperando por ele. Ele imediatamente tira roupas de servente de sua maleta e as veste. Ela volta ao normal e faz o mesmo com as roupas da mochila, depois a mochila é amassada e colocada dentro da maleta. Começam a caminhar pelo corredor, sabendo exatamente para onde ir, pois haviam memorizado o mapa do local. Finalmente, no setor de alocação extra-humanas (nome pomposo para o setor onde faziam experiências com Nefelim e “sabe-se lá mais o que” que não fosse considerado humano) chegaram de frente para a porta onde se lia “Experimento XII – Somente Pessoal Autorizado” .

O momento das sutilezas havia acabado.

Usando novamente seu manifesto, Thiago atravessa a porta e antes que alguém lá dentro se tocasse do que ocorria, abriu para sua amiga. Esta entrou e trancou novamente a porta por dentro. Quando seus olhos percorreram a sala ficou estarrecida.

— Pela Grande Mãe...

Clow, estava parado sobre um tablado, olhando para eles. A luz que vinha do tablado iluminava o seu amigo por baixo, dando um aspecto fantasmagórico à cena que se desenhava diante deles. Era o seu amigo... e não era. Seus olhos estavam embaçados, como mortos. Partes mecânicas cobriam seu corpo, numa aberração monstruosa que transformara um dos seus em algo parte máquina, parte... parte o quê?

— Eis a maravilha da Criação! — a voz que veio do comunicador pegou os dois amigos de surpresa e eles não conseguiram evitar a reação de susto – Nós ainda não descobrimos que coisa vocês são, mas acho que conseguimos achar uma utilidade para vocês.

Eles entram imediatamente em posição de defesa. A voz no comunicador continua:

— Acredito que ele seja amigo de vocês. É claro que já sabíamos da presença dos dois em nosso complexo, mas deixamos acontecer. Fazemos questão de deixar nossa guarda atrás da porta, pois não queremos arriscar a vida de nenhum ser humano, não é mesmo?

Thiago observa rapidamente o local onde se encontravam. Não havia muito espaço para fuga. Como eles levariam Clow dali? Mas tudo se tornou irrelevante quando o comunicador soou novamente;

— Cobaia 37. Atenção para as ordens...

Gilda sabia que ordens seriam e, num lampejo de fé que apenas uma criatura que tem o céu, o inferno e a humanidade misturados em si, sussurrou:

— Não, por favor. Não nos obrigue a isso...

Mas a voz no auto-falante saiu implacável:

— Elimine os intrusos!

Como se fosse um robô que de repente ligou, Clow se move, girando na direção deles. Seus movimentos mecânicos e o som provocado pelas peças artificiais enxertadas em seu corpo, criaram um assustador clima de exterminador do futuro. A voz no comunicador, com um profundo tom de júbilo, dá seu último toque na dança macabra, como se fosse um vilão de histórias em quadrinhos:

— Assim vocês aprendem a não invadir um prédio que pertence a nossa organização. Não se brinca com a RAM.

A batalha entre amigos iria começar.

Continua...

DEUS EX MACHINA (Parte 1) foi escrito por Danilo Faria

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