Eram quase seis horas da tarde quando a bonita moça jovem de expressivos olhos negros entrou na minha mercearia, perguntando pela casa de Maria Luciani. Ela se apresentou como sendo a filha desta senhora, e também se chamava Maria. Havia completado os estudos em Milão, e agora queria rever a mãe. Indiquei o caminho, tentando ser simpático. Enquanto ela circulava pela loja, remexendo no balcão dos queijos, não pude deixar de pensar na dita senhora. Dona Maria era um senhora bonita, de olhos negros como os da filha, e cabelos já com mechas grisalhas. Morava com sua a mãe, também Maria, ou Dona Maria Velha, como chamávamos. Moravam num casinha de tijolos vermelhos no sopé da montanha.
Dona Maria Nova vinha de vez quando ao povoado fazer compras. Era mulher de pouquíssimas palavras, e não gostava de fazer amizades. Ninguém a visitava. Meu avô uma vez me contou que a velha sempre morou naquela casinha. Era filha de uma condessa – ou algum desses títulos antigos de nobreza – italiana, que tendo engravidado muito jovem, foi expulsa de casa e deserdada. Veio morar aqui neste pequeno vilarejo alpino, onde teve sua filhinha, a quem chamou de Maria. Isto foi há muito tempo. Maria era garota hábitos muito reclusos. Seus únicos amigos – dizia meu avô – eram uns estrangeiros de roupas estranhas, que de tempos em tempos eram visto circulando por aqui. Após a morte de sua mãe, Maria foi embora .
Voltou muitos anos depois, de dizendo viúva e mãe de uma menina, a segunda Maria. Ela era uma bonita moça – muito parecida com a moça que esteve aqui na loja – e todos garotos da aldeia – o que incluía meu pai e meus tios - queriam muito namorá-la. Mas por algum motivo, ninguém tinha coragem de chegar perto dela. Ela parecia ter uma espécie de aura que os mantinha afastados. Com a filha fazendo visitas freqüentes ao comércio do povodado, sua mãe passou cada vez a sair menos de casa. Hoje em dia raramente é vista, mas meu primo - que mora não muito longe das Marias – me disse que um dia viu de longe a velha, sentada calmamente em sua cadeira de balanço em frente à porta.
Agora a história se repetia, e parece que teríamos uma terceira Maria. Engraçado, como a Maria Nova teve uma filha sem que ninguém soubesse? Estranho... tenho que me lembrar de falar com minha tia sobre isso...
- Quanto é o queijo? – perguntou ela com sua voz suave, interrompendo meus devaneios. Ela comprou dois queijos e foi embora.
Tento me lembrar no que estava pensando quando ela perguntou o preço, e não consigo. Esqueci. Nada de importante, imagino.
Já é noite. No seu quarto, na casinha de tijolos vermelhos. A velha Maria se olha no espelho. As rugas pronunciadas sulcando a testa e as bochechas, o corpo cansado e envelhecido, os cabelos brancos presos num coque. Ela olha para o espelho e sorri, satisfeita. Numa escrivaninha, anota estranhos caracteres num velho caderninho. Atrás da escrivaninha, pilhas de livros se ordenam uma estante de madeira escura. Numa prateleira, frascos com os mais diversos líquidos coloridos. Ela olha mais uma vez no espelho. As rugas desaparecem, a pele se estica, os cabelos brancos se reduzem a grandes mechas grisalhas. Maria ri, soltando os cabelos. Na parede, um quadro de moldura oval mostrava um retrato pintado de sua falecida mãe. Sua querida e saudosa mãe, a filha renegada de uma condessa, que perdera tudo por causa de um amor juvenil. Os grandes olhos negros piscam, enquanto ela dá uma nova olhadela no espelho. A pele continua se transformando, tornando-se cada vez mais lisa e rejuvenescida, os cabelos, agora negros como carvão. Os grandes olhos piscam, e quem está sentada escrevendo agora é a mesma jovem da mercearia. O fogo da lareira crepita, e as chamas amareladas lhe fazem lembrar do pai que nunca conheceu.
Seu segredo continuará intacto. Ninguém jamais saberá que as Três Marias sempre foram na verdade apenas uma.
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