quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Rebelião 18: O Alfarrabista


O velho está sentado numa confortável poltrona, folheando um livro antigo de capa verde. Pela janela, ele pode ver os bosque de árvores baixas que cercam a mansão. Uma leve neblina emoldura a típica paisagem inglesa. Jordan Bolton é extremamente zeloso com sua biblioteca, um legado secular que acompanha há várias gerações sua família. Existem pessoas que pagariam qualquer fortuna para ter algumas das obras raras que enfeitam suas prateleiras. Mas nenhum dinheiro do mundo faria os Bolton abrir mão de sua coleção.

Súbito, uma pontada dolorosa no peito, faz Jordan Bolton largar o livro, que cai no chão atapetado sem fazer muito barulho. A dor aguda o paralisa. Ele se contorce, tenta respirar, mas é inútil. O coração pára de bater.

A mancha de luz que o luar projeta na parede agora delineia a silhueta de um homem. Ele paira no ar, observando o quarto com atenção. Seus pés finalmente tocam no tapete, ele se inclina sobre o corpo do velho, pegando o livro caído com muito cuidado.

- Que ironia. Morrer justo agora, quando era eu quem devia matá-lo.

Folheia carinhosamente o livro, abrindo um largo sorriso de avidez. Aumenta a intensidade do foco da luminária, apontando-a para a estante mais próxima.

- Isto é um verdadeiro tesouro!

Títulos de obras raríssimas lhe saltavam aos olhos: Opus Renatorum, a versão latina da obra do feiticeiro bizantino Anastasios Morea, autoproclamado descendente de Simão o Mago, sobre seus encontros com membros de sociedades místicas; o fantástico Signa Geminorum, uma compilação de fórmulas alquímicas tão secretas, que os autores, os irmãos Ludovic e Eliézer Cordeleon, inventaram um silabário hieroglífico para escrevê-lo; De Malitia Versipellium, uma descrição pormenorizada dos Versipelles feita pelo enigmático ocultista castelhano J.X.L.; Daemonarchia Sotonae, uma compilação minuciosa dos demônios do Nono Círculo feita pelo pervertido monge inglês Alanus Amauricus; a obra-prima do alquimista português Tristão d’Oliveira, o De Arcanis Olivariae; Bellator Triumphans, um conto apócrifo atribuído ao centurião romano Numa Servilius Tardus. Em suas mãos, o livro de capa verde era o divertido Viagens de Vittorio dei Santi, um frade italiano que descreve as estranhas criaturas que encontrou em sua peregrinação à Terra Sagrada.

Paulus desembrulha uma manta plástica, e embrulha cuidadosamente suas mais novas aquisições. Sai flutuando do mesmo jeito que entrou, dirigindo-se suavemente na direção da estrada que margeia a mansão dos Bolton. Já está pensando na glória que o espera como recompensa pelas inestimáveis “aquisições”.

Se ele olhasse para trás neste momento, veria que uma das gárgulas do telhado está seguindo-o com os olhos de pedra. E sorrindo.


O ALFARRABISTA foi escrito por Simoes Lopes

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