Os gritos do porco soavam desagradavelmente estridentes, mas após tantas pauladas, o animal finalmente silenciara. O novilho, ao contrário, morrera sem muito escândalo. Ao lado dos dois cadáveres, os sangradores se juntam e começam o esquartejamento com enormes cutelos.
O sangue dos animais é utilizado para traçar um grande triângulo na areia que cobre o porão da casa velha. Dois homens altos chegam e se colocam dentro do espaço delimitado pelo traçado. Estão nus e parecem dopados, olhando um para o outro.
Na parte mais escura do porão, outros homens se aglomeram trajando mantos sujos e encardidos com capuzes negros. O mais alto do grupo começa a entoar um canto lúgubre com voz de barítono. Começando com o chamamento Behemoth Rahab Leviathan Ego Audiuntur Vos, um hino em baixo latim é recitado em uníssono pelos participantes do insólito ritual. A cada repetição, o coro torna-se mais alto. Dos corpos ensangüentados começam a desprender densas colunas de vapor avermelhado, ao mesmo tempo que os dois homens circunscritos na área triangular começam a se contorcer. Músculos incham e crescem, veias saltam, o sangue é bombeado com velocidade cada vez maior. Seus corações pulsam com tanta força que o barulho retumba pelos cômodos vazios do andar subterrâneo.
Articulações estalam, à medida que ossos aumentam e se tornam sólidos como rocha, os dois pobres homens gritam e urram, repetindo a algazarra desagradável dos porcos momentos antes, a transformação se processa de forma incrivelmente rápida. O coro agora grita a plenos pulmões, e dos animais sacrificados só restam fragmentos gelatinosos espalhados pelo chão sujo.
O homem mais alto abaixa o capuz, revelando uma face pálida sem pêlos, e ergue o braço esquerdo, pedindo silêncio.
— Que o humano sinta novamente o animal que pulsa dentro de si. Que a carne sinta que é apenas carne.
O ringue improvisado vai se enchendo aos poucos. Homens de fisionomia séria vão se acomodando, enquanto a rinha vai sendo anunciada.
Apostas sendo feitas, os valores não são baixos. Algumas figuras ilustres podem ser identificadas entre os espectadores.
Os dois brutamontes finalmente despertam de seu torpor, e se engalfinham com toda fúria possível. O barulho de ossos duros como pedra retumba pela câmara, tendões fortes como aço impulsionam os corpos disformes num balé violento e homicida.
Esta ode ao embrutecimento humano e à negação do espírito vai prosseguir até o nascer do dia. No final, restarão apenas dois lutadores exaustos e massacrados, escravos de seus próprios instintos primitivos, e após uma dor incrível, restaurados à sua forma humana original. E a platéia satisfeita, saciada pelo espetáculo sangrento.
E o nefando organizador do diabólico circo se sentirá mais uma vez revigorado, e esperará pacientemente pelo próximo evento, em outro dia, em outra cidade, em outro país. Ele é o Senhor das Feras. Os milênios vêm e vão, e ele continua ali, à espreita.
Retorne ao Universo Germinante
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