O momento zero: alvo de nossa observação
BANG!
Não houve hesitações — ele apenas puxou o gatilho, e lá estava o cadáver, ainda revirando os olhos, enquanto um jorro quente de sangue saia pelo orifício recém-aberto em sua têmpora.
Júlio certamente ainda se acostumaria à visão de seu próprio corpo morto, vitimado por si mesmo, em seus últimos paroxismos.
35 segundos antes do momento 0
Uma menina de doze anos fora a sala onde aguardava seu professor de Ciências para falar sobre a queda de suas notas (uma queda quase imperceptível, mas ainda assim o professor Júlio insistiu em falar a sós com ela sobre isso). De repente, aquele homem sempre tão gentil enfiou as mãos sob sua saia, um sorriso amarelo e sinistro nos lábios. Primeiro, seu sangue pareceu fugir todo do corpo, mas sua vontade de lutar veio a tona assim que sua calcinha se rasgou. Foi quando ouviu a porta se escancarando — o professor Júlio, com uma jaqueta preta, de couro, entrou na sala e apontou uma arma para a cabeça... dele mesmo... ou do outro.
Durante uns cinco segundos, todos ficaram em silêncio, quando então o professor (o que estava armado) atirou e matou seu sósia.
15 segundos depois do momento 0
Essa menina não pára de gritar... droga, os seguranças. Odeio ex-militares desempregados, gordos e mal acostumados, fazendo bicos nestes colégios grã-finos. Os idiotas sempre se acham muito bons.
Pra encerrar bem rápido, eu explodo uma “bomba temporal” e tudo fica três segundos mais lento à minha volta — é o bastante. Um Mawashi-geri e um Jodan-zuki aplicados rápida e diretamente mandam os dois palhaços pro chão a tempo de ver a fenda se abrindo sobre o corpo... meu corpo!
Um maldito Centriário... o desgraçado jogou uma cartada de gênio...
5 anos antes do momento 0
O Mai-geri acertou o Centriário bem no rosto, e seu nariz se quebrou com o forte impacto. Apoiado contra um corrimão, o homem vergou e caiu de uma altura de dois metros. Júlio estourou então uma de suas famosas bombas temporais — manipulações habilidosas sobre o Plano Mental que alteravam a percepção de tempo, a tornando mais veloz ou mais lenta. O iniciado saltou sobre seu adversário e o agarrou ainda no ar, aplicando nele uma versão algo street fighter de uma Tai Otoshi voador.
CRAQUE!
O pescoço do Centurião se quebrou sob o peso de seu próprio corpo, e em poucos segundos, tudo estaria acabado. Mas ainda havia consciência, e onde há consciência, há possibilidades...
O Centriário sentiu o fogo sagrado subir de seu chakra genesíaco, numa viagem por seus nadis — na prática, era a vitalidade deixando seu corpo. É um momento como nenhum outro, para alguém que passou pela iniciação. Agarrando-se à onda de energia, o Centurião concentrou toda sua vontade e sua shakti num último efeito — projetando-se com tenacidade no Plano mental, ele tentaria tornar-se uma personalidade invasora no corpo de Júlio. Com o tempo, talvez conseguisse expulsar o Iniciado de sua veste física; afinal, o que ele tinha a perder?
O problema é que Júlio ainda estava sob efeito de sua bomba temporal... quando o Centurião atingiu a consciência do seu algoz, foi pego num fluxo mental com percepção temporal distorcida e tragado num poderoso efeito que o enviou para o futuro, no corpo de Júlio... ou assim ele pensava.
4 anos, 364 dias e 12 horas antes do momento 0
Júlio estava dormindo há seis horas, quando teve a impressão de que alguém o observava e pulou da cama Era ele mesmo.
— Você precisa me ouvir! — falou seu eu visitante — O Centurião... você o deve ter matado hoje pela manhã...
— Exato (diz Júlio não muito confiante de que este seja um diálogo normal, mesmo no mundo louco em que vive).
— Certo! Ele, digo, sua personalidade, se infiltrou em nosso corpo mental! Esse maldito desgraçado ficou dormente por anos... há algumas semanas, comecei a ter “claros” na minha memória... era ele, agindo com meu corpo!
Essa última parte preocupou Júlio. Isso quer dizer que o maldito estava em sua mente, neste exato momento, engordando como uma larva, esperando até se tornar crisálida, e então...
Foi quando um detalhe chamou sua atenção: o Júlio visitante não tinha a orelha esquerda.
— Espera aí... quando perdemos a orelha esquerda?
O outro o olhou com incredulidade, como se tratasse de um detalhe idiota. Mas respondeu assim mesmo:
— Ora, eu tinha 27 anos! Foi um Mayávico com uma adaga!
E Júlio viu que era muito pior. Ele tinha 32 anos, logo aquele não era seu “eu” futuro — era uma versão alternativa dele mesmo. Isso queria dizer que, num multiverso mental com N possibilidades, o Centurião estava tomando “corpos” seus... e ele fora a porta de entrada. Seu visitante não se demorou por muito tempo — efeitos como esse são muito difíceis, o que quer dizer que ele deve ter estudado anos para fazer aquela visita. Mas não foram o bastante.
Se realmente estivesse acontecendo o que ele achava que estava, Júlio precisaria de demoradas visitas a outros fluxos temporais. E para isso, seria necessária a ajuda de um Mestre.
Pela Divindade que isso custaria sua alma, mas ele sabia a quem procurar...
CONTINUA...
CAÇADOR DE MIM foi escrito por Renato Simões
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