quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Maytréia 12: Duelo Invisível


Meu nome é Marcílio Lemos, todos me conhecem como um dos advogados que trabalham no Edifício Avahy. Mas o mais importante é que ninguém sabe que também sou um xatrya dos Mecenas.

Eu repito minha rotina de todas as manhãs dos dias “úteis”. O enorme elevador do edifício está apinhado de gente. Mais um dia de trabalho se inicia. Eu vejo rostos com sono, cansados, amaldiçoando mais uma segunda-feira. Em meio ao mar de gente, eu consigo avistá-la.

É uma garota baixa, de compleição esguia, e cabelos ruivos encaracolados. Os olhos são de um azul-escuro bem bonito, o decote é generoso. Eu sei quem ela É. E pelo olhar que ela lança em minha direção, ela também sabe quem eu SOU.

Nós somos inimigos, e podemos nos reconhecer. Ela é uma marionete dos Mayávicos, e não é a primeira vez que a encontro. Sua identidade humana — se não estou enganado — é Isabelle Marins Ferretti. Somos inimigos mortais, mas não podemos travar nossa guerra aqui, neste lugar cheio de gente imersa na Maya.

Primeiro Andar. Trocamos discretos olhares de ódio, sem que os outros percebam, absortos em seus probleminhas cotidianos.

Segundo Andar. Sinto uma queimadura intensa em minha coxa. A gorda senhora da frente, que carregava uma garrafa térmica com café quente, não percebe que há um furo no frasco, e eu tomo um banho de líquido fervente.

Terceiro Andar. A dona tenta se desculpar. Eu aceito, fingindo polidez, enquanto ativo meus siddhis para aliviar a dor, e apressar a cicatrização. Isabelle está rindo.

Quarto Andar. Isabelle grita de dor, enquanto agita os braços. Dois corretores tentam ajudá-la. Ela diz que foi picada por uma abelha. Uma servente baixinha diz que a abelha deve ter vindo da confeitaria do térreo. Não é a primeira vez que acontece. Reclama da administração do prédio. Eu lanço um risinho de triunfo para a minha bela inimiga, que agora ostenta um inchaço vermelho no pescoço.

Quinto Andar. Uma bela nissei à minha frente vira-se subitamente, furiosa. Ela me acusa de ter passado a mão em sua bunda, e me dá um leve safanão. Eu nego, mas o namorado dela, um sujeito de quase dois metros de altura e cujos músculos de lutador sobressaem no terno apertado, me acerta um soco na cara.

Sexto Andar. Eu estou caído no chão, sangrando. O elevador esvaziou um pouco, mas as outras pessoas se apressam em apartar o que pensam ser uma simples briga. Eu continuo negando, e o casal salta do elevador, com o troglodita me jurando de morte.

Sétimo Andar. Enxugo o sangue no nariz, e mais uma vez uso os siddhis para estancar a ferida. Isabelle também deve ter feito o mesmo em relação à picada da abelha.

Oitavo Andar. O elevador já está quase vazio. Eu me aproximo dela mais um pouco. Além de nós, só restou a senhora que me derrubou o café, um corretor de bigodes antiquados, e uma estagiária de direito com rosto amarrado.

Décimo-primeiro andar. Ficamos a sós pela primeira vez.

Décimo-segundo andar. Trocamos sorrisos.

Décimo-terceiro andar. A luz se apaga. O elevador pára subitamente. Parece que minha inimiga e eu tivemos a mesma idéia. “O ratinho cego caiu na boca do gato”, são suas únicas palavras. Vários minutos se passam.

Último andar. Do lado de fora, dois técnicos não conseguem explicar o que causou a paralisação do elevador. Depois de algumas tentativas inócuas, finalmente as pesadas portas pantográficas se abrem.

Uma bela moça de cabelos ruivos sai do elevador, ajeitando o vestido, agradecendo aos técnicos com uma piscada sensual. Um deles pensa em fazer um gracejo, mas é contido pelo outro. A jovem dirige-se ao terraço do último andar, com ar de triunfo. Chega no parapeito transbordando de alegria.

“Como se sente agora, minha bela rival, tendo seu corpo controlado pela minha vontade?”, ecoa a minha voz no cérebro de Isabelle.

“Veja que belo poente”, repito com ironia, “será seu último”.

“Não foi o ratinho cego que caiu na boca do gato. Foi o gatinho cego que engoliu uma granada, pensando ser um rato,” permito-me completar a frase idiota com que ela me ameaçou. “E não se preocupe com meu corpo, está em local seguro, ao contrário do seu”, arremato, sem dar muitos detalhes.

“Agora pule. Arrevoir, Isabelle!”

Um inimigo a menos no mundo.

DUELO INVISÍVEL foi escrito por Simoes Lopes

Volte ao Universo Germinante

Nenhum comentário: