
Meu nome é Marcílio Lemos, todos me conhecem como um dos advogados que trabalham no Edifício Avahy. Mas o mais importante é que ninguém sabe que também sou um xatrya dos Mecenas.
Eu          repito minha rotina de todas as manhãs dos dias “úteis”.          O enorme elevador do edifício está apinhado de gente. Mais          um dia de trabalho se inicia. Eu vejo rostos com sono, cansados, amaldiçoando          mais uma segunda-feira. Em meio ao mar de gente, eu consigo avistá-la.
    
É          uma garota baixa, de compleição esguia, e cabelos ruivos          encaracolados. Os olhos são de um azul-escuro bem bonito, o decote          é generoso. Eu sei quem ela É. E pelo olhar que ela lança          em minha direção, ela também sabe quem eu SOU.
    
Nós          somos inimigos, e podemos nos reconhecer. Ela é uma marionete dos          Mayávicos, e não é a primeira vez que a encontro.          Sua identidade humana — se não estou enganado — é          Isabelle Marins Ferretti. Somos inimigos mortais, mas não podemos          travar nossa guerra aqui, neste lugar cheio de gente imersa na Maya.
    
Primeiro          Andar. Trocamos discretos olhares de ódio, sem que os outros percebam,          absortos em seus probleminhas cotidianos.
    
Segundo          Andar. Sinto uma queimadura intensa em minha coxa. A gorda senhora da          frente, que carregava uma garrafa térmica com café quente,          não percebe que há um furo no frasco, e eu tomo um banho          de líquido fervente.
    
Terceiro          Andar. A dona tenta se desculpar. Eu aceito, fingindo polidez, enquanto          ativo meus siddhis para aliviar a dor, e apressar a cicatrização.          Isabelle está rindo.
    
Quarto          Andar. Isabelle grita de dor, enquanto agita os braços. Dois corretores          tentam ajudá-la. Ela diz que foi picada por uma abelha. Uma servente          baixinha diz que a abelha deve ter vindo da confeitaria do térreo.          Não é a primeira vez que acontece. Reclama da administração          do prédio. Eu lanço um risinho de triunfo para a minha bela          inimiga, que agora ostenta um inchaço vermelho no pescoço.
    
Quinto          Andar. Uma bela nissei à minha frente vira-se subitamente, furiosa.          Ela me acusa de ter passado a mão em sua bunda, e me dá          um leve safanão. Eu nego, mas o namorado dela, um sujeito de quase          dois metros de altura e cujos músculos de lutador sobressaem no          terno apertado, me acerta um soco na cara.
    
Sexto          Andar. Eu estou caído no chão, sangrando. O elevador esvaziou          um pouco, mas as outras pessoas se apressam em apartar o que pensam ser          uma simples briga. Eu continuo negando, e o casal salta do elevador, com          o troglodita me jurando de morte.
    
Sétimo          Andar. Enxugo o sangue no nariz, e mais uma vez uso os siddhis para estancar          a ferida. Isabelle também deve ter feito o mesmo em relação          à picada da abelha.
    
Oitavo          Andar. O elevador já está quase vazio. Eu me aproximo dela          mais um pouco. Além de nós, só restou a senhora que          me derrubou o café, um corretor de bigodes antiquados, e uma estagiária          de direito com rosto amarrado.
    
Décimo-primeiro          andar. Ficamos a sós pela primeira vez.
    
Décimo-segundo          andar. Trocamos sorrisos.
    
Décimo-terceiro          andar. A luz se apaga. O elevador pára subitamente. Parece que          minha inimiga e eu tivemos a mesma idéia. “O ratinho cego          caiu na boca do gato”, são suas únicas palavras. Vários          minutos se passam.
    
Último          andar. Do lado de fora, dois técnicos não conseguem explicar          o que causou a paralisação do elevador. Depois de algumas          tentativas inócuas, finalmente as pesadas portas pantográficas          se abrem.
    
Uma          bela moça de cabelos ruivos sai do elevador, ajeitando o vestido,          agradecendo aos técnicos com uma piscada sensual. Um deles pensa          em fazer um gracejo, mas é contido pelo outro. A jovem dirige-se          ao terraço do último andar, com ar de triunfo. Chega no          parapeito transbordando de alegria.
    
“Como          se sente agora, minha bela rival, tendo seu corpo controlado pela minha          vontade?”, ecoa a minha voz no cérebro de Isabelle.
    
“Veja          que belo poente”, repito com ironia, “será seu último”.
    
“Não          foi o ratinho cego que caiu na boca do gato. Foi o gatinho cego que engoliu          uma granada, pensando ser um rato,” permito-me completar a frase          idiota com que ela me ameaçou. “E não se preocupe          com meu corpo, está em local seguro, ao contrário do seu”,          arremato, sem dar muitos detalhes.
    
“Agora          pule. Arrevoir, Isabelle!”
    
Um inimigo a menos no mundo.
DUELO INVISÍVEL foi escrito por Simoes Lopes
 
 








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