quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Rebelião 25: Cães de Caça


O canil estava em ordem: limpo, arrumado, os animais bem alimentados. Os magníficos sabujos da raça Grand Bleu de Gascogne, todos campeoníssimos em exposições e feiras, levavam uma vida que boa parte dos humanos invejaria. A responsável por tamanho capricho era Benita Vernes. Benita era figura conhecida do mundo fashion em Barcelona, quando surpreendentemente largou uma carreira destacada de top model para se dedicar à criação de animais. Levava agora uma vida menos atribulada, fora do alcance dos flashes e câmeras. Poucos sabiam do verdadeiro motivo de seu afastamento.

Benita terminou a verificação rotineira, despediu-se de seus bichinhos, e subiu para o quarto no segundo andar. O seu repouso foi drasticamente interrompido por um barulho ensurdecedor vindo do canil. Todos os animais pareciam ter começado a latir ao mesmo tempo. Enquanto corria para o andar de baixo, Benita notou que os latidos eram de dor. Quando finalmente chegou, inúmeros corpos ensangüentados estavam espalhados pelo chão. Um homem encapuzado brandia uma adaga, quase oculto pelas sombras.

- Você matou meus cães! – gritou Benita, sem pensar em nada melhor para dizer.

O inimigo pareceu abrir um largo sorriso, enquanto respondia numa voz rouca.

- Eu os matei... Mas eles não estão mortos...

Os cães supostamente mortos começaram abrir os olhos, que agora brilhavam num tom escarlate. Uma enorme sombra pareceu cobrí-los, e eles se contorciam transformando-se em bestas de pêlo negro arrepiado. Benita se via agora rodeada por quinze Damnati, demônios infernais em forma canina. Conjurados pelo bruxo, se apossaram dos corpos dos cães de caça. Ela ainda ouviu o homem sussurrar algo, e os cães atacaram em conjunto, ansiosos em provar a carne macia de sua antiga criadora.

Em vez de demonstrar medo, Benita estava sorrindo, pois há muito tempo ansiava secretamente por uma luta. Passando os olhos rapidamente à sua volta, agarrou uma pesada corrente. Girando-a no ar com uma velocidade incomum, sentiu os elos metálicos convertendo-se num reluzente açoite místico. O metal brilhava num tom azulado, enquanto lâminas afiadas brotavam da corrente de ferro.

O primeiro ataque de Benita decepou o primeiro demônio e aleijou um segundo. Os Damnati sentiram a repentina mudança em sua vítima e recuaram. Mas estavam em superioridade numérica, e após um rápido instante de hesitação, voltaram à investida.

A Guerrilheira ainda conseguiu matar mais dois, mas eles eram muitos, e uma fera enlouquecida conseguiu saltar sobre ela, mordendo sua perna. Os outros pularam em cima. Só havia uma saída para Benita. Ignorando as dores terríveis dos ferimentos, a espanhola conjurou Alvorecer. Seu corpo começou a ficar translúcido, e uma luz cegante se espalhou pelo recinto. Os Damnati que estavam mais próximos foram desintegrados. Os que vinham atrás tentavam fugir, percebendo que a caça se transmutara em caçadora. O brilho celestial se espalhava pelo recinto inteiro com a velocidade de uma explosão, deixando as criaturas desorientadas e acuadas, a maioria mal conseguindo se mexer. A Nefilim estava sentada junto à porta, em silêncio, e seus ferimentos cicatrizavam rapidamente. Ela abriu os olhos mais uma vez, e brandindo sua arma de guerra, avançou para as bestas infernais restantes, matando um por um, com a atenção fixa no homem que os conjurara. Ele já fugira para o quintal. Benita arremessou sua arma como se fosse uma hélice, atingindo-o nas pernas. O agora mutilado invasor jazia agonizante no chão de barro vermelho, Benita é rápida, mas já era tarde: o maldito se matara com sua própria adaga. Um estranho pressentimento tomou conta da Nefilim, e só resta a ela retornar correndo para casa. Voltando a seu quarto, encontra tudo quebrado e revirado. Ela então compreendeu: era tudo para distraí-la. O verdadeiro alvo do ataque estava em seu quarto. Mas o que o inimigo queria estava muito além do alcance. Benita Vernes era uma Escriba. Ela pára, dá dois passos para fora do quarto. Mentaliza uma palavra. Ao passar de novo pela soleira, está em seu quarto, mas não o mesmo quarto. Pilhas de cadernos se espalham por toda a parte. Este é seu esconderijo, seu santuário. Os Escribas não são desatentos.

Mas quem seriam os atacantes? Quais as suas intenções?

Já era hora de contatar alguns amigos... Compreender o que acontecera era sua missão agora.

CÃES DE CAÇA foi escrito por Simoes Lopes

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