As paredes do escritório eram decoradas com muitas pinturas abstratas de gosto duvidoso. Uma horrível estátua cor de abóbora ficava em pé junto à janela. Sentado no sofá de almofadas zebradas, Homero Jardim esperava ansioso por um telefonema. Estava sozinho em sua mansão, sua esposa e os filhos estavam passando o fim de semana em Araruama.
Passou-se mais de uma hora até que seu celular tocasse. Homero atendeu imediatamente.
— Senhor, já cheguei no lugar combinado. Os mapa tão beleza. Vai sê moleza invadi a casa — dizia uma voz fina e trêmula, com um pouco de estática.
— Ótimo, Saraiva. As instruções do nosso cliente foram muito claras: os dois devem morrer. Todo cuidado é pouco.
— Eu nunca falhei, senhor.
Homero desligou, e recomeçou sua vigília silenciosa. O contratador misterioso, que apenas se identificara como Fausto, fora muito incisivo ao fazer o primeiro pagamento: queria dois assassinatos. Os pistoleiros treinados por Homero eram famosos por sua eficiência, e Genilson Saraiva, sem dúvida o melhor deles, fora escolhido para a missão.
Mais duas horas se passaram, e nada. Nenhum chamado, Homero estava começando a duvidar do êxito de Saraiva. Andava em círculos, nervoso, suando frio.
Já eram quatro horas da manhã, quando Saraiva chamou mais uma vez. Homero olhou para o relógio, pensou ter cochilado.
— Senhor, missão cumprida. Mais fácil que tirá pirulito de criança. Mas dois presunto pra nossa coleção.
Homero finalmente se acalmou.
— Onde você está, agora? — perguntou o chefe, já pensando no restante do pagamento que receberia.
— Chegando à sua mansão, senhor. Quase chegando na portaria.
— Ótimo — comemorou Homero, já pensando no que compraria com o dinheiro. Mais um sofá? Um novo carro para a sua esposa Cidelle? Ou silicone para sua amante Marlene?
O toque do interfone despertou Homero de seus planejamentos monetários.
Em poucos instantes, o pistoleiro entrava na sala com um sorriso nos lábios.
— Missão cumprida. O novo silenciador tava uma beleza, e a granada facilitou muito o ataque.
Homero estava bebendo café, e ofereceu uma xícara para Genílson. Pegou na gaveta um cartão com o telefone que o contratador havia lhe dado, pedindo que ligasse a qualquer hora que precisasse.
O sujeito atendeu no outro lado. Homero explicou o que havia acontecido. Ouviu calado por um bom tempo. Gotas de suor começaram a se formar em sua testa.
— Saraiva, os dois foram mortos? O cliente está pedindo provas...
— Quequié isso, senhor? Assim, o senhor me ofende? É claro que eu matei os dois. O primeiro nem viu o que o atingiu, a granada o pegou em cheio, e depois eu enchi ele de bala.
— E o segundo?
— Este eu acertei no peito, o grandão caiu por cima de uns candeeiros. A casa pegou fogo. Pô, e como os caras eram grandes! Pareciam jogador de basquete...
Homero repetiu a história para o seu contratador ao telefone.
— Saraiva, meu filho... você viu o segundo morrer?
— É, claro! Quer dizer, o fogo se espalhou rápido... Mas o cara ficou preso lá dentro. E tava com um tirambaço nos peito...
— Vou repetir mais uma vez, meu querido, você viu ele morrer?!
Saraiva estava realmente ofendido, mas não mostrava muita convicção.
— Pô, Seu Homero, um cara pra sobreviver com aquele tiro, só sendo o...
Ele nem completou a frase.
A janela do escritório foi literalmente demolida com um estrondo avassalador.
Um homem de mais ou menos dois metros de altura, com cabelos e barbas compridíssimos presos em volumosas tranças acabava de invadir a casa de Homero Jardim. Como ele passara pelos seguranças? Considerando o que ele acabara de fazer com a janela, não era difícil imaginar que os vigias seriam o menor dos seus obstáculos.
— Vós matastes meu irmão — disse o estranho, com a voz rouca. Uma enorme crosta de sangue manchava o seu peito, que mostrava sinais de afundamento decorrente de um tiro. Ouviu-se um estalo quando os ossos readquiriram sua aparência normal.
— Como você chegou aqui? Como... — gritou Saraiva, reconhecendo no gigante uma de suas “vítimas”.
— A Luz Divina mostrou-me o caminho.
Homero sentiu suas calças se molharem involuntariamente. Saraiva tentou pegar sua arma, mas não teve tempo.
Horas depois, os primeiros raios do sol entraram pelo buraco na parede, onde antes existiam janelas, iluminando algumas poças de sangue coagulado.
Homero Jardim estava caído junto à parede, coberto por pedaços de um quadro quebrado. Seu maxilar estava horrivelmente esmagado, e várias costelas estavam partidas. Genílson Saraiva estava caído no gramado em frente ao escritório. Os braços haviam sido arrancados e não estavam por perto. Sua perna esquerda resumia-se a uma seqüência de fraturas expostas.
Os dois homens, agora mortos (com certeza absoluta), morreram sem saber quem era aquele estranho homem. Seu contratador não havia dito que ele se chamava David Ben-Sheth Ben-Aharon, e que, como seu companheiro assassinado, pertencia à seita dos Nazireus, a mesma da qual fez parte Sansão. Não lhes explicou que os Nazireus devem se abster de cortar os cabelos e de provar álcool e comidas impuras. Saraiva morreu sem saber que eles adquirem força e resistência titânicas. E Homero morreu sem saber que os Nazireus levam uma vida reclusa e pacífica.
Mas que quando atacados, respondem ao ataque com uma fúria indomável.
E quando furioso, um Nazireu torna-se virtualmente invencível.
O cliente não explicou nada disso.
Mas se tivesse falado com Homero, ele acreditaria?
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