As imponentes torres da Basílica de São Dimas eram castigadas há horas por uma chuva torrencial. Raios cortavam furiosamente o céu escuro quando o padre Rogério Bonfim chegou no estacionamento da igreja num impecável carro branco. Ao seu lado, o teólogo italiano Baldovino Castello estava encerrando uma prolongada conversa telefônica.
— O Cardeal Rochet está mandando efusivos cumprimentos pela iminente conclusão da nova igreja. — disse o teólogo, dirigindo-se ao padre.
— A nova igreja de São Tomé será muito importante para seguirmos nossas diretrizes de restauração da visibilidade da Santa Madre Igreja no Rio de Janeiro — respondeu Rogério, demonstrando uma certa tensão na voz.
— Quem diria! Um templo em estilo gótico em plena Zona Sul carioca! O Cardeal está satisfeitíssimo.
— O prefeito preferia um hipermercado no local, tivemos que usar todo nosso poder para demovê-lo dos planos originais — complementou o padre, que há muito tempo não conversava em italiano.
— Louvado seja Nosso Senhor por inspirar o prefeito a mudar de idéia.
Rogério Bonfim preferiu ficar calado. Ele participou ativamente das negociações que levaram à construção do novo templo, e sabia perfeitamente que não fora o poder de Jesus Cristo que fez o prefeito mudar de opinião...
As gárgulas que adornavam as paredes da Igreja Matriz — uma herança da grande inspiração francesa nas reformas urbanas promovidas por Aristóteles de São Dimas em 1892 — escoavam verdadeiros rios verticais de água. O temporal era cada vez mais forte. Amaldiçoando a falta de um guarda-chuva, o padre Rogério entrou rapidamente conduzindo seu hóspede europeu.
Da janela da secretaria da Igreja era possível se ver o Rio Sena já prestes a transbordar suas águas poluídas, um fato comum na vida dos moradores do bairro de Notre Dame. Rebatizar o antigo rio Jacareí de “Sena”, e chamar o bairro da Matriz de “Notre Dame” foram outras conseqüências da reforma promovida por Aristóteles.
O padre Bonfim era um dos poucos a saber que Castello tinha vínculos com a Sagrada Ordem de São Jorge, uma poderosa organização secreta dentro da Igreja que surgira a partir de um segmento dos Templários. Bonfim não via com bons olhos a extrema autonomia de que gozavam os Jórgios, como eram conhecidos os membros da dita Ordem.
O padre Rogério não estava muito preocupado em discutir construções de igrejas. Seu grande interesse na verdade era criar laços consistentes de amizade com Baldovino, um homem que contava com muitas amizades poderosas no círculo de Cardeais, e na alta burocracia do Vaticano. O grande sonho de Rogério Bonfim era ver a antiga freguesia de São Dimas ser promovida a Diocese, e ele passar a Bispo. Para tal fim, ele faria qualquer coisa, até mesmo suportar o pedantismo inconveniente do italiano.
Mal sabia o padre que o erudito italiano também não viera ao Brasil apenas para falar sobre maravilhas arquitetônicas. Enquanto ele debatia amenidades com Rogério Bonfim, em outro lado da ilha, na chamada Cidade Baixa, no botequim conhecido como “Bom Ladrão”, circulava um estranho homem de vastos bigodes louros e óculos escuros. Este homem, cujo nome não é conhecido, chegara ao Rio de Janeiro junto com seu irmão de Ordem, Baldovino Castello. Enquanto bebia um conhaque falsificado, e flertava com algumas mulheres de reputação duvidosa, ele planejava as melhores maneiras de prosseguir na investigação de estranhos casos ocorridos num hotel de São Dimas. Sua meta inicial seria descobrir a localização do Bar Encruzilhada, onde deveria encontrar a “informante”.
O misterioso turista e seu colega teólogo eram das poucas pessoas a saber o real significado da palavra “Nefilim”.
Relâmpagos ainda continuavam a riscar os céus. As inundações rotineiras manteriam os moradores da ilha ocupados pela noite inteira. A Defesa Civil alertara sobre os perigos da enchente. Mal sabiam eles que forças muito mais poderosas que a tempestade estavam atuando em São Dimas.
E os efeitos delas, ao contrário dos da chuva, eram imprevisíveis...
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