sábado, 29 de dezembro de 2007

Rebelião 29: Cada um luta como pode



Bicudo estava escondido atrás de uma moita, onde ficara a madrugada inteira observando a estranha movimentação naquele galpão abandonado. O palpite de Verônica — como sempre — estava certo: a Trindade Abominável estava realizando seus cultos naquele local ermo. Transformados pelos poderes demoníacos de adoradores das Trevas, dois homens haviam se transformado em monstros disformes de músculos hipertrofiados. Os Abomináveis eram — como Docinho gostava de chamá-los — os “Pitboys do Inferno”.

O que restara dos bois sacrificados não passava agora de algumas poças gosmentas exalando vapores pútridos. Mesmo usando todos os seus poderes de dissimulação, Bicudo sentiu que fora descoberto.

Dizer que lutar não era sua especialidade não exprimia a verdadeira ojeriza que Bicudo, um Acólito de 40 anos de idade, sentia pelo combate físico. Um adepto da filosofia de “correr sempre que possível”, Bicudo mantinha-se vivo ficando longe de qualquer tipo de luta. Estivesse mais convicto de que o galpão de fato era um antro dos Abomináveis, com certeza não teria aceito a tarefa de averiguar. Além disso, estava desconfiado que os poderes de sedução de sua amiga Docinho haviam contribuído para aceitar tal tarefa com tanta prestatividade.

O Abominável que estava mais próximo tinha cabelos e barbas negras. Suas veias eram azuladas e saltadas, podia-se ouvir as batidas do coração inchado à distância. O segundo tinha cabelos de cor clara, e só quando ele aproximou-se de uma área mais iluminada é que Bicudo percebeu tratar-se de uma mulher.

E foi justamente ela a primeira a ver Bicudo de forma inequívoca. As pernas musculosas flexionaram-se e ela saltou com uma agilidade impressionante para alguém tão pesado. Os arbustos foram estilhaçados em seu caminho. Bicudo procurou abrigo subindo numa árvore. A Abominável soltou um grito que mais parecia um mugido, e acertou um violento pontapé no tronco.

O assustado Acólito sentiu a árvore tremular com o golpe, e concentrou toda sua Proeza em um novo salto para a próxima árvore, uma mangueira bem mais alta. A fêmea demoníaca percebeu a manobra e golpeou a mangueira com ambos os punhos cerrados. A cada novo soco, mangas de todos os tamanhos choviam na cabeça da fera, que ficou ainda mais irritada.

Preocupado demais com sua perseguidora, com os sentidos nublados pelo medo, Bicudo se esqueceu do segundo Abominável, e foi merecidamente premiado com uma violentíssima pedrada na coxa. O outro monstro pegava pedras e arremessava na direção do nefilim. Impossibilitado de conter a artilharia pesada, Bicudo se desesperou e caiu da árvore.

A queda foi dolorosa, quatro metros de altura, e pela dor ele sentiu que havia partido algumas costelas. Nada que seu organismo sobrenatural não regenerasse, caso ele sobrevivesse ao ataque... Os Abomináveis estavam cada vez mais próximos.

A iminência da morte transforma covardes em lutadores, e Bicudo sentiu o maná se condensando em suas mãos. O suor escorria em abundância enquanto ele concentrava-se para dar forma e substância à matéria-prima etérea.

O súbito aparecimento da espada de luz sólida amedrontou a dupla de bestas-feras, que recuaram instintivamente, sentindo sua carne infernal ferida pela luz celeste que emanava da arma. Bicudo brandiu a arma com orgulho, arrancando um naco de carne fétida do flanco da mulher-monstro. Os monstros mantiveram-se à distância, observando. Bicudo ergueu a arma confiante, e....

... a arma tornou-se mais leve... começou a ficar translúcida... e sumiu.

Felizmente as transformações que caracterizam os Abomináveis embotam seus cérebros, e estes demoraram a entender o que acontecera. A dor das costelas quebradas havia interrompido a concentração, e era a primeira vez que Bicudo tentava conjurar uma Espada de Gabriel. Tentou fugir mais uma vez, ignorando a dor, mas seus movimentos estavam mais lentos. A conjuração da arma gastara muito maná, e sua cabeça latejava. Incapaz de manter o equilíbrio, acabou escorregando na terra úmida.

Seus perseguidores soltaram um grito de excitação e vieram com tudo em sua direção. Bicudo fechou os olhos.

Mesmo de olhos fechados, o nefilim sentiu uma luz muito forte invadir o matagal. Quando voltou a si, viu que os monstros tornavam a se encolher, horrorizados. Por um breve momento a noite transformou-se em dia. E Bicudo compreendeu o que acontecera. Seus amigos haviam chegado. Verônica, a Guerrilheira, já estava bailando sua dança mortal entre os dois Abomináveis. Brandia uma espada reluzente que com certeza absoluta não iria desaparecer tão cedo. Mais atrás surgia Farid, o Paladino. Ele não podia conjurar armas celestes, mas a força de seus punhos já valia por um arsenal. Docinho, a outra Acólita do grupo, verificou os ferimentos de Bicudo. Este começou a sentir os poderes curativos de sua amiga aliviando sua dor.

A verdadeira luta estava apenas começando.

CADA UM LUTA COMO PODE foi escrito por Simoes Lopes

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