E, finalmente, o universo acabaria.
Charles olhava para o nome escrito no pequeno pedaço de papel que tinha a sua frente. Não estava escrito em português. Para ser sincero, não estava escrito em qualquer língua que possamos conceber. Era um nome impronunciável; a simples presença no pedaço de papel sobre a mesa profanava terrivelmente o ambiente em que Charles se encontrava.
Mas ele não se importava, não fazia a menor diferença. Em breve, todas as coisas maculadas e imaculadas desapareceriam. O nome, aquele nome na sua frente, aquele simples nome impronunciável escrito numa língua que nem mesmo pode ser chamada de “morta” – pois nunca nasceu – tinha o poder de finalmente fazer tudo acontecer. Este nome poderia trazer afinal o fim do universo.
O nome no pedaço de papel era o verdadeiro nome a que Deus respondia neste universo. Estava escrito de forma a ser lido ao contrário. Foram meses de rituais solitários para que o nome pudesse ser pronunciado, sendo o alvo discreto da reprovação de colegas de facção mais experientes e de riso por parte dos mais novatos.
O entropista não podia deixar de sorrir ao pensar no que estava preste a fazer. Ele então se pergunta se seu sorriso não seria o último sorriso deste universo, se sua deliciosa antecipação não seria o último ato consciente de um ser humano antes do fim de tudo que existe.
Este pensamento lhe impulsionou a agir. Ele pega o papel e, lendo enquanto aponta o dedo para o chão, pensa por um segundo se o que estava fazendo não seria idiota. Afinal de contas, o mundo poderia simplesmente continuar como está e todos os seus anos de procura e dedicação se transformariam numa piada secreta, da qual somente ele e a Criação saberiam ter ocorrido.
Mas algo ocorreu.
O mundo começou a deslizar na sua frente. As trevas, tímidas no início, começaram a tomar conta de tudo. Charles, o exultante entropista, mergulha no esquecimento feliz e sabendo que somente ele entenderia o que ocorreu com a Existência. Seria seu legado para o universo: o fim do mesmo.
Foi então que ele percebeu algo de errado. Ele estava ainda cercado de trevas. Mas porque ele ainda estava consciente das trevas? Ele devir ter sumido junto, mergulhado na escuridão sem fim do prelúdio de uma nova Criação.
Mas ele não mergulhou. Ele não sentia o chão. Não sentia limites a sua volta. Não sentia o espaço acima. Ele não percebia o horizonte. Melhor, não havia horizonte.
Contudo, ele estava lá. Podia ver as próprias mãos (que não tinham o que pegar e que tateavam o escuro sem nada encontrar). Podia ver os próprios pés (que não se apoiavam em nada). Tentou tocar a si mesmo e não se sentiu: Charles havia se tornado um fantasma.
Então era isso? A Criação acabaria mas lhe deixaria como uma última maldição a marca de ficar eternamente flutuando no... nada? Talvez ele tenha errado algo na flexão do nome, talvez em quem lê o efeito seja mais demorado...
Mas, como um raio, a resposta veio.
Talvez o universo ainda existisse. Talvez, o nome de Deus lido ao contrário separasse quem o leu da Criação; desta forma o universo deixaria de existir só para quem invocasse o nome. Talvez o nome fosse algum truque de uma criatura extradimensional qualquer ou de algum Iniciado de outra facção, com o objetivo de capturar e isolar àqueles que desejassem o fim de tudo. E se quem leu fosse parar neste limbo, este alguém talvez tenha sido separado da Criação. E então o pior veio. A conclusão que levou o entropista a loucura definitiva e eterna.
Pois, se alguém é separado da Criação esse alguém não existe. E nunca deixará de existir. A condição atual de Charles seria eterna.
Em meio a percepção do pior preço a ser pago por sua presunção, o entropista grita enquanto sua mente mergulha numa insanidade sem fim.
Contudo, ele nunca mais ouvirá os próprios gritos. Ou mesmo qualquer outro som na sua agora eterna não-existência...
O FIM DO UNIVERSO PARA CHARLES SIMÕES foi escrito por Danilo Faria
Nenhum comentário:
Postar um comentário