quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Rebelião 93: A venerável trilha da solidão


Satyabhama é muito mais velha do que aparenta. Quando ela nasceu, morena e coberta de cabelos negros bem espetados, recebeu seu nome em homenagem à princesa indiana, filha do Rei-Urso e uma das esposas de Krishna. Órfã de pais, foi criada numa comunidade espiritualista da Califórnia liderada por um grande mestre indiano, que a considerava como sua melhor aluna.
Satyabhama descobriu antes da maioridade que não era uma pessoa comum, mas a filha de um anjo em forma feminina com um amante humano. A real identidade de seu pai, desconhecida para ela, não atraiu seu interesse por muito tempo, até que ela soube, através de sua “mãe”, o anjo de asas cristalinas Makiel, que era filha daquele a quem chamava de “mestre”. Sua concepção foi o fruto de uma breve noite de amor que para o grande guru não passara de um fugaz sonho erótico, e assim, ele sequer desconfiava de que aquele bebê abandonado às portas de sua comunidade fosse sua própria filha. É verdade que a semelhança entre ambos era notável – o que muitos de seus seguidores já haviam percebido – mas o professor jamais desconfiaria de algo tão improvável.
A menina deixou a comunidade e correu o mundo, com suas convicções reforçadas pelos próprios ensinamentos de seu pai-professor, de que “nenhuma organização ou credo era o caminho para se chegar até a verdade, mas sim a própria busca espiritual e intelectual. Acolhida por um grupo de irmãos, sobre-humanos como ela, ascendeu às mais altas hierarquias da linhagem dos Nefilim Veneráveis – os Filhos de Makiel espalhados pelo mundo – mas quando estava prestes a atingir o mais alto Patamar, Diamante, preferiu partir mais uma vez, ávida em desbravar uma nova trilha, mais uma vez preferindo a solidão.
Quando completou 38 anos de idade – com a mesma aparência imortal de uma jovem de vinte e poucos anos —, Satyabhama já havia participado de várias Congregações ao redor do mundo, e ficou sabendo que seu pai padecia de um câncer terminal. Foi a única vez que desejou contar a verdade a ele, e partiu para os Estados Unidos. Quando chegou à Califórnia, soube telepaticamente que ele já falecera, e não teve coragem de falar com ninguém de sua antiga comunidade, partindo com a alma em frangalhos.
Satyabhama tem agora 61 anos, e como sempre faz em todos os aniversários da morte de seu pai, ela realiza um ritual silencioso, um réquiem particular que a faz pensar em sua própria imortalidade. Seu pai ensinava que o tempo era o grande inimigo dos humanos, e que os pensamentos faziam deles escravos do passado.
A moça de cabelos nigérrimos está sentada na posição do lótus, em um estado profundo de relaxamento que já dura quase o dia inteiro. Ela medita em tudo que aprendeu em sua longa vida, nos ensinamentos de seu pai humano, nos mistérios revelados por sua mãe incorpórea, na experiência de seus irmãos híbridos, e em si mesma.
“O Tempo é inimigo do Homem”, pensa ela, inspirando o ar com força, “mas por não ser humana, eu aprendi a enfrentar e derrotar o Tempo, e faço isso a cada dia”.
Ela pensa em tudo o que aprendeu ao longo de seis décadas, e expira.
“Derrotar não é o bastante. Tenho que fazer do Tempo meu aliado, mas como?”, inspira de novo.
Ela abre os olhos, luminosos como diamantes gêmeos.
“Como?”, a pergunta permanece sem resposta.

A VENERÁVEL TRILHA DA SOLIDÃO foi escrito por Simões Lopes

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