segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Maytréia 2: Reconhecendo os seus


Eles eram em três ao entrarem no apartamento. O homem mais velho que conduzia os outros dois jovens aparentava ser mais jovem do que realmente era. Seu cavanhaque e seus cabelos o denunciavam, com sua alvura flagrante. Ele tinha feições abrutalhadas e era corpulento; apesar de tudo tinha um olhar inquisidor: parecia vasculhar todo o ambiente com suas íris cor de mel.


Os outros dois jovens que o acompanhavam eram de tez clara, magros e altos; fora isso eram bem distintos um do outro.

Um tinha os cabelos curtos e bem penteados, usava uns óculos com designe sóbrio, vestia calça social presa por um cinto preto e camisa de mangas compridas dobradas na altura dos cotovelos, devidamente enfiada nas calças. Seus sapatos estavam bem lustrados. Mantinha-se em posição respeitosa o tempo todo, um olhar assustado pelo encontro que se pronunciava. O outro, por sua vez, usava uma calça jeans rasgada, a camiseta preta presa apenas atrás tinha escrito em letras brancas bem grandes a palavra “pain”. Seus cabelos compridos teimavam em cair por sobre o seu rosto, criando o cacoete de afasta-los com as mãos. Tinha um piercing na orelha direita e debaixo da manga da camisa saía o final de uma tatuagem biomecânica, provocando a ilusão de engrenagens explodindo para fora da pele. Os tênis pareciam não ver limpeza a um certo tempo. Entrou também assustado e respeitoso, mas o sacudir constante do corpo mostrava que ele estava impaciente ou incomodado.


Na sala, uma cena cotidiana e paradoxalmente inesperada se desenrolava. Um homem idoso, com um certo ar oriental, vestindo um pijama de flanela, estava dando uma tremenda bronca em uma garota adolescente. Esta mantinha um certo ar de enfado, de quem já tinha ouvido toda aquela ladainha antes. Nas suas mãos um joystick de videogame esperava e ao fundo era possível ver a tv com um jogo de estratégia pronto para se iniciar.


- Você tem que manter a consciência e a concentração... – dizia o velho, zangado – ... essa porcaria de jogo não ajuda em nada...


Neste momento, ele percebeu a entrada dos três: - Ah! Entrem, entrem... sejam bem-vindos! – Sorriu um sorriso onde se entrevia um ou outro dente em meio às gengivas escurecidas.


O homem mais velho apresentou os outros rapazes. Eles permaneciam na postura mais respeitosa que poderiam, mas isso não impediu que eles percebessem que a garota aproveitou a distração do idoso e imediatamente se sentou de costas para todos, a atenção completamente voltada para o jogo.


O olhar do velho era severo. Ele observava de forma reprovadora os dois jovens a sua frente. Observa o jovem totalmente arrumado, solta um muxoxo de reprovação ao seu cabelo penteado e seu ar de disciplina e obediência. Solta um olhar enigmático em direção ao homem que os trouxe. Observa mais uma vez de cima a baixo e solta um resmungo.


Mas então ele vê o outro.


Seu olhar reprovador acentua drasticamente. Seu rosto vai se tornando uma espécie de máscara de nojo diante do que via:
- O que é isso, Wanderley? – Ele exclama na direção do homem que os trouxe – Esse... negócio... – Se aproxima comicamente para olhar melhor o piercing – Você usa brincos, meu rapaz?


Constrangido, este responde: - Não senhor, é um piercing...
- Um o quê? Deixa para lá... nem quero saber o que é. – Vira-se novamente na direção do homem que os trouxe – Esse é o tipo de... criatura... que você deseja tornar um Iniciado?


Volta-se para o rapaz novamente. Sua voz adquire um ar exasperado:
- Ele usa calças rasgadas! Rasgadas! Não considero homem um cara que usa calças rasgadas e brincos...
...piercing...
... brincos! Ta pendurado na orelha é brinco! Eu não sei, não...


Claramente, o constrangimento do rapaz foi se tornando uma fúria cada vez mais incontida. A vontade dele era de dar uma coça no velho. Mas então aconteceu o pior.


O velho reparou na tatuagem.


Seria cômico se a tensão não estivesse no ar. O velho parou de falar e – com a boca sem dentes ainda aberta – foi aproximando o rosto lentamente do braço onde a tatuagem se encontrava. Ainda devagar, foi levantando até ver o desenho por inteiro. O jovem tinha uma vontade profunda de recolher o braço, mais ainda tentava manter o controle. Ele realmente desejava ser um Iniciado. Só que era cada vez mais difícil manter o controle.
Isso... é... é... o que é isso?


A garota jogando, continuou concentrada no jogo, mas acabou dando uma risadinha. O gesto provocou uma reação igual no outro rapaz, que se conteve rapidamente. Foi o bastante. O rapaz da calça rasgada explodiu:
Quer saber? Vá a m&*(a!!! Não vou ficar aqui aturando isso!


Virou-se e saiu. O outro rapaz olhou assustado. Procurava uma indicação do que fazer da parte dos dois homens mais velhos. Aquele que os trouxe disse:


Vá lá... converse com ele e me esperem lá fora...


Ele se retira. Os dois homens observam enquanto ele vai embora. Quando ele sai se viram para a garota. Aquele que responde como Wanderley fala:
O que achou, Mestra?


A garota pára de jogar e se vira para os dois. Seu rosto tinha a sombra de um sorriso. Seus olhos transmitiam o conhecimento de eras guardados naquela alma. Sua voz era profunda e suave.
- Ele é perfeito. Dará um excelente Iniciado. Tem que aprender a controlar o gênio e prestar mais atenção ao que realmente ocorre ao seu redor, mas é ótimo. Se trilhar corretamente o seu caminho, poderá trazer muito à este mundo


- E o outro?


- O engomadinho? É perigoso. Faz-se de educado e respeitador. Inicie-o, mas ele carrega a sombra de ser um Cinzento no seu destino... – Fica então com um olhar triste – ...esperemos que ele não caia nela.


Os dois homens então agradecem e saúdam reverentemente sua Mestra. Saúdam-se mutuamente e Wanderley se vai. Após isso, ela volta a falar:


- Sabe qual é o maior mistério da existência neste momento, meu amigo?


O ancião sacode negativamente a cabeça. Ela sorri e se volta para a tela da tv.


- Saber como consigo passar para a próxima fase neste jogo...

RECONHECENDO OS SEUS foi escrito por Danilo Faria

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